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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Deus: um boneco narigudo?... o sarcasmo de Carlos Ruas

Dias atrás, uma amiga de BH, leitora deste blog, convidou-me a acessar o inusitado e visitadíssimo site: www.umsabadoqualquer.com.

Interpelado pelo fantástico – no que diz respeito à argúcia e ousadia - conteúdo humorístico das TIRINHAS, eu naveguei com grande interesse de pesquisa o tal site, avaliando reflexivamente as inteligentíssimas piadinhas debochadas da visão clássica de Deus.

O interesse aumentou quando vi que se trata de um desses fenômenos do pensamento rápido e da grande capacidade de articular idéias muito bem elaboradas na busca pela sobrevivência, que resulta em sucesso certo, emergentes dos porões da existência para a visibilidade mundial da internet...

O cartunista por trás das TIRINHAS é um jovem de 25 anos, que agora multiplica seu sucesso vendendo um deus de pelúcia... narigudo que só!

O deus de pelúcia é só um souvenir da viagem – em todos os sentidos possíveis - que constitui a navegação no site.

O que dizer das TIRINHAS?

Do ponto de vista da argúcia na comunicação de uma idéia, com dose sofisticada de humor, é simplesmente brilhante! É o modelo preciso do “espírito revoltoso” na sua face mais doce, delicada, suave... É o supra-sumo da mais pesada crítica ao estereótipo clássico de Deus, apresentada da maneira formidavelmente mais pacifica e não raivosa que já vi...

De fato, é ledo engano pensar que as revoltas íntimas de uma alma só existem quando são manifestas com raiva. Alguém pode ser tremendamente tranqüilo, centrado, educado, alegre e... cativar dentro de si a revolta contra as circunstâncias que se estabelecem à revelia do querer humano.

É claro que, neste caso, a pessoa é capaz de elaborar a revolta manifestando-a com sofisticação, o que não deixa de ser uma virtude, mas, também não corresponde propriamente a uma capacidade de vencer o problema. O que acontece é uma elaboração equilibrada, apesar de bastante custosa e sofrida, mas, assim mesmo, revoltosa... não raivosa, mas revoltosa...

A genialidade do modelo prático, simples, direto e profundo de umsabadoqualquer.com é de arrancar elogios do próprio Criador, severamente escarnecido neste trabalho.

Creio que este seja o mais sincero elogio que Carlos Ruas, autor das tirinhas, conseguirá obter de minhas considerações sobre seu trabalho, antes de penetrar - com a perscrutação da verdade - as entranhas capazes de produzir este tipo de humor.

O senso de humor finíssimo dá uma aula tupiniquim de didática singular, confrontando os personagens da trama Bíblica (Deus, Adão, Eva, Caim e o “gracioso” – para a autoria – personagem que evoca a figura angélica de Lúcifer) com as idéias de fundo dos personagens que, sacados da história real, completam o cenário das tirinhas, a saber: Freud, Eisten, Darwin e, claro, o papa do niilismo, Nietzche.

A maneira humorada e muito bem elaborada é uma perfeita catequese do “espírito revoltoso”.

O próprio autor se gaba – com alguma razão – dos elogios que arranca mesmo entre aqueles que, concordando com a visão clássica de Deus, deveriam considerar impróprio o escárnio de Carlos Ruas.

Creio que depois das considerações feitas anteriormente, entro, certo modo, para esta lista...

Fazer o quê? Como não reconhecer a notoriedade do talento: elegante, sóbrio, conciso, direto, bem arranjado na perspectiva do humor, com alguma noção cultural e intelectual?

Negar a evidência da competência humorística de Ruas, por discordar profunda e perpetuamente de sua visão de deus - caricaturado por um boneco de pelúcia narigudo - seria dar um tiro no pé...

Melhor manter o nível da discussão levantada por jovem tão brilhantemente arguto... e partir para algumas considerações reflexivas, numa rápida análise das idéias que podem estar subjacentes aos conteúdos que publica na forma de sarcasmo.

Se lá, em um sábado qualquer, é espaço para escarnecer o Deus "extraído" do pensamento razão clássica de grandes gênios como Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, aqui, é espaço para refletir a pretensão ambiciosa e astuta sobre a idéia de “Deus”, evocadas por personagens como Freud, Eisten, Darwin, Nietzche e outros, na visão de Carlos Ruas...

Cada macaco no seu galho... o que importa é a autenticidade das posições e o reconhecimento sincero das qualidades, quando elas se apresentam. Afinal, mesmo a genialidade desenvolve seus saltos de conhecimento a partir de dois trampolins do livre-arbítrio: o da resignação ou o da revolta...

E qual é o trampolim de Carlos Ruas?

Se o seu entendimento pessoal for diferente daquele apontado nas suas tirinhas, então, estamos diante de uma grande hipocrisia entre o que ele verdadeiramente entende e crê e o que ele transmite como idéia.

Não que não seja possível fazer um discurso diferente do que de fato se acredita, mas, em se tratando da visão pública que se transmite de Deus, há que ter correspondência entre uma e outra coisa. Ou ao menos a indicação disto, caso contrário, o juízo alheio não será temerário porque foi induzido.

E, considerando, sobretudo, a severidade crítica e sarcástica da visão clássica de Deus apresentada nos quadrinhos, mesmo que se admitisse crer no foro íntimo diferente do que transmite pelos quadrinhos, sob o pretexto de ser piada, o interesse prático medido por resultados a serem alcançados, quando posto acima da coerência íntima, já configuraria hipocrisia.

Mas, supondo que não haja ruptura entre o que se transmite e o que se pensa em foro íntimo, avaliaremos o mecanismo do “espírito revoltoso” em Carlos Ruas.

Há três perspectivas a se considerar na origem de tão eloqüente escárnio da concepção clássica de Deus:

  • ateísmo prático, no qual a rejeição a Deus está diretamente associada à revolta internalizada em razão das aparentes contradições da existência e à incapacidade de elaborar e transcender o sofrimento na perspectiva da resignação, mas, ao contrário, na perspectiva da revolta;
  • apologia luciferiana na perspectiva gnóstica da evolução do conhecimento que torna livre todos os seres, igualando-os a Deus por força da própria liberdade requerida no seu mais potente esforço: o confronto direto com a causa primeira e a causa última de todas as coisas (o que é também uma forma de revolta a algum tipo de ordem estabelecida);
  • revolta contra os sistemas religiosos, resultando numa rejeição obtusa à figura clássica de Deus, construindo um sistema interno de crenças e valores em que se admite Deus, sim, desde que Ele não tenha nenhum vínculo com o enredo “falido” da história, na medida que deva estar perfeitamente desvinculado de toda concepção tradicional dada pelas religiões;

Na prática, as três perspectivas de construção da Imago Dei,[1] a partir do “espírito revoltoso”, se misturam e se confundem.

Numa primeira passagem pelo arrojo e severidade das tirinhas, na crítica que faz ao Deus segundo a Fé clássica, poderíamos deduzir que o autor parte de um ateísmo prático.

Ele mesmo chega admitir numa entrevista concedida a um programa de TV, disponível no You Tube, que esperava uma reação mais violenta, e se surpreendeu com o acolhimento obtido, inclusive por cristãos católicos e protestantes e membros de outras crenças religiosas, elogiando seu trabalho.

Noutra avaliação mais amiúde, todavia, vendo o conjunto das TIRINHAS e, sobretudo, tomando a peito a nada velada “compaixão” pelo “coitadinho” do Luciraldo - personagem que evoca a figura do querubim caído, conhecido na crença judaico-cristã como Lúcifer, o Príncipe deste mundo - se poderá chegar à outra conclusão.

Tratar-se-ia, neste caso, de uma visão gnóstica da fé, onde o processo de iluminação é possível a todos os seres, inclusive os anjos caídos, visto que todos os seres inteligentes, possuindo em si a “semente divina”, poderiam alcançar a salvação numa vida para além dos limites da natureza sujeita a condições próprias e circunstâncias adversas.

Nesta visão, todos cumprem um processo evolutivo, até atingirem a divinização por mérito do bem supremo no respeito à absoluta liberdade para acertar e errar ao longo do processo. E isto se daria até atingir-se a perfeição, em que cada qual se funda a si mesmo, inclusive sendo capaz de re-fundar sua natureza original em razão do desejo e da vontade, como máxima expressão da liberdade.

Tal visão parece muito bem aceita pelo “cristianismo atual”, que além de acreditar que a “semente divina” é inata aos seres, costuma “jurar de pés juntos” que o inferno até existe, mas deve estar vazio, pois a Misericórdia de Deus é infinita...

De fato, é, sim, infinita a Misericórdia de Deus. Mas, será que Deus daria liberdade aos seres e depois os manteria obrigados ao Céu à revelia de uma escolha livre e autônoma?

Neste caso, se isto fosse possível, a liberdade não seria perfeita. E não sendo perfeita, qual o sentido de buscá-la a todo custo no mundo presente, inclusive, rejeitando qualquer tipo de ordem estabelecida?

De resto, onde estaria a perfeição da Misericórdia caso ela suprimisse a liberdade e obrigasse todos, inclusive contra o querer, a habitar na presença Divina (o que se chama Céu)?

É preciso levar em conta que tal Mundo Celeste ao qual os seres inteligentes e livres são convidados a habitar, possui um Único e Absoluto Monarca, e onde há ordem estabelecida na perspectiva da Graça.

Ninguém pode estar obrigado a aceitar isto por força inamovível de um “germe divino” e ser verdadeiramente livre. Há que se fazer uma escolha, assistida, sim, pela Graça, mas, uma escolha livre...

E não me peçam para acreditar que o “germe divino” – neste caso, inato a cada ser - estaria sujeito à correspondência da liberdade. Ora, caso a liberdade do ser, sendo verdadeira e perfeita, escolhesse obtusamente não corresponder à tal semente de Deus, o que aconteceria?

Das duas uma: ou a semente divina estaria também condenada ao inferno (é possível? Uma semente de Deus condenada pela eternidade, presa à existência da criatura que não quis, livremente, corresponder ao cogito pré-estabelecido?); ou passando um tempo no inferno, presa à liberdade dos seres que a rejeitaram, viria, necessariamente a obrigá-los a sair de lá numa remissão total e absoluta, inclusive contra a liberdade de suas escolhas obtusas e contumazes...

E, neste caso, não faz sentido ter sido concedida, então, a liberdade... tampouco faz sentido buscar uma vida de virtudes, já que, obrigatoriamente, todos seriam resgatados pela força inata da semente de Deus, encalacrada por essência no âmago na natureza angélica ou da natureza humana...

E mais, se de fato fosse esta a realidade das coisas – apesar da mais absoluta inexistência de lógica em tal pressuposto - então, a encarnação do Verbo é uma piada mesmo... um conto da carochinha... estória pra boi dormir... coisa digna de humor... Veio despertar uma parte de Si mesmo que já era inata nos seres? E se o tempo da escolha não produzir este despertar? O Que o Verbo fará com sua semente, neste caso, inata ao homem?

A “divinização dos Santos Padres” é bem outra coisa... não é o despertar de um gigante adormecido como parte da essência da criatura. É uma Graça de PARTICIPAÇÃO NA VIDA DIVINA... PARTICIPAÇÃO! PARTICIPAÇÃO! PARTICIPAÇÃO!

Isto não está por demasiado claro? Participação supõe liberdade perfeita... ou não?

E esta Graça participativa é um mergulho batismal na liberdade de escolha e adesão - ou não - a este convite para habitar na Presença de Deus, segundo as Regras de Deus, ora...

Além de ser possível que o autor parta do ceticismo ateu, também é possível que ele configure suas idéias a partir desse pressuposto gnóstico de Deus, que se opõe peremptoriamente à visão de Deus Verdadeiramente Cristã.

Se, contudo, levarmos em conta o nível bastante elevado da erudição humorística, eu diria que outro é o ponto do qual parte no salto ornamental que faz, sem - não obstante este esforço de desvincular-se dos padrões de crença - conseguir efetivamente livrar-se da dinâmica interior da revolta para com o estabelecimento de certa ordem que nos escapa.

Honestamente, a confiança dos diálogos irônicos dos gênios da história (Freud, Nietzche, etc) e a angústia dos personagens bíblicos apresentados como seres medíocres (Adão, Eva e Caim), na relação imbricada com o deus narigudo de Ruas (exposto como mestre da mediocridade), me transmite uma visão que se pretende mais elevada, excelsa e nobre que as duas anteriores, as quais também são convencidas de nobreza própria.

A própria apologia que faz ao Príncipe das Trevas (como é tido na concepção clássica) sinaliza, salvo engano, para uma visão de deus que o autor pretende que seja superior ao ceticismo ateu e ao gnosticismo iluminat.

Talvez a sutileza inteligente e o humor bem formulado nos façam acreditar que o “Deus” de Ruas - que é a mesma nas ruas de nossos dias - está muito acima das perspectivas anteriores.

E talvez seja exatamente esta impressão que colhemos a mesma que faz com que suas tirinhas tenham grande aceitação, mesmo entre cristãos e crentes de outras religiões, muito para além da reconhecida competência irônica do autor.

E qual é a sacada do deus de Carlos Ruas que ultrapassaria a visão clássica das religiões monoteístas, que ultrapassaria a conclusão cética do ateísmo prático, e que ultrapassaria a visão gnóstica dos que se divinizam por iluminação do conhecimento evolutivo, incluindo neste paradigma a salvação de Lúcifer?

O que torna “aceitável”, para maioria dos crentes e não crentes, o humor debochado de Carlos Ruas às concepções tradicionais e clássicas de Deus é que, a ousadia parece não se reduzir à crítica de Deus, propriamente, mas ao modo inteligente de criticar a concepção de Deus dada pelas religiões.

Ora, o deus narigudo criticado – e vendido - por Ruas (caso a crítica dele seja realmente tão inteligente quanto parece), é o concebido pelas religiões, que dizem da bondade de Deus, mas não o apresentam correspondente com a ela. Sobretudo na relação estabelecida com as criaturas.

O deus narigudo de Ruas – se de fato ele escapa ao ateísmo prático e ao gnosticismo iluminista, ainda que concorde com eles em parte – não pode ser tão medíocre como aquele ensinado pelas tradições religiosas. Essa é uma conclusão possível que se pode extrair das tirinhas de Carlos Ruas.

“Deus” este, que no desenho e no souvenir de pelúcia, possui uma enorme protuberância nasal, provavelmente devido ao fato de “meter o nariz” onde não é chamado ou por não fazê-lo quando é chamado, nas horas de desespero humano.

“Deus” este que, em razão dessa aparente desconexão com a história, precisaria fazer análise com a “verdadeira” humanidade de Freud. Ou tornar-se acadêmico do magistral saber científico de Eisten, por se comportar como um ignorante diante do aparente caos cósmico. Ou, ainda, precisaria aprender umas lições de caridade com o “pobre coitado” do Luciraldo, vítima da “arrogância”, do “egoísmo” e do “amor próprio” de seu Divino Criador... e por ai vai...

O deus narigudo de Ruas, que ele parece criticar, é este da concepção das religiões tradicionais.

O “verdadeiro” “Deus”, guardado a sete chaves pelo autor do humor sarcástico, se é que ele crê, seria aquele que está acima de tudo isto, perfeito e intangível. Incapaz de ser captado pelos sentidos e pela inteligência dos homens e, portanto, não sujeito à lógica medíocre deles.

Esta seria uma razão capaz de despertar tanta admiração mesmo entre os que crêem no perfil de “Deus” apresentado por suas religiões, e, principalmente, entre os que não crêem.

Outra possibilidade a ser considerada é a de que a crítica seja invertida, ou seja, ela seja dirigida não à mediocridade de um “Deus” narigudo, concebido pelo sistema religioso, mas, à presunção medíocre e leviana dos grandes gênios da humanidade ao pretenderem ridicularizar Deus, bem como à visão míope (na opinião caricaturada do autor) da descrição bíblica sobre o Criador e Sua criação.

Seja como for, o deus narigudo apresentado por Carlos Ruas está na berlinda, e a protuberância nasal que ele, como autor, doou de si mesmo para o personagem que criou – isto mesmo, doou de si mesmo como autor ao personagem divino de suas tirinhas - é oriunda do seu atrevimento em “meter o seu nariz” onde ele, com seu sarcasmo, não é chamado.

Parabéns Carlos Ruas, por pensar com admirável inteligência seus negócios com um deus narigudo de pelúcia, para navegar a todo vapor cruzando o mundo em velocidade recorde nos mares da internet, na exata medida de quem outrora concebeu a “inatingibilidade” de um Titanic para cruzar os oceanos... boa viagem... até o encontro com algum iceberg...

Vocês podem não me acreditar, mas, o encontro com tal iceberg terá sua utilidade, para além do que se é capaz de conceber...

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN



[1] Imago Dei (imagem de Deus) é a construção da idéia que se tem de Deus, conforme avalia o teórico Carl Jung. Aliás, vale ressaltar que todas as visões de Deus que partem dos pressupostos e postulados das ciências psicológicas arremeterão, em algum momento, a uma dessas perspectivas apresentadas a partir do “espírito revoltoso”.

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