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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


* "PROVOCAÇÕES" MAIS ACESSADAS (clique no título):

*1º Lugar: Arquidiocese de Juiz de Fora reconhece avanço da Obra do Pater Noster...

*2º Lugar: Lealdade, caráter e honestidade... no fosso de uma piada!

*3º Lugar: Fariseu ou publicano, quem sou?

*4º Lugar: Retrospectivas e balanços de fim de ano...

*5º Lugar: “A sociedade em que vivemos”: um big brother da realidade...

* "PROVOCAÇÕES" SUGERIDAS:

*Em queda livre na escuridão...

*Somos todos hipócritas... em níveis diferentes, mas, hipócritas!

*Vocação, resposta, seguimento...

*O lugar da auto piedade...

*A natureza íntima da corrupção...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

VIDA e EMBRIÕES!

Você conhece alguém que ame a morte? Algumas pessoas, talvez, machucadas ou decepcionadas podem chegar - num momento de fraqueza e cansaço - pensar que desejam morrer. Mas este é um pensamento falso, um grito íntimo de revolta e desespero contra a situação que tira da pessoa exatamente o que ela espera: situações de vida... realizações na vida! Fato é: ninguém ama a morte.

A vida é um dom. Nós a administramos, sim. Mas, não nos pertence. Por isto ninguém tem o direito de atentar contra a própria vida ou contra a vida de quem quer que seja. A vida deve seguir seu curso natural do primeiro momento até o último.

Surge então a pergunta: quando começa a vida? Hoje, o conhecimento e a tecnologia permitem o mergulho na natureza íntima da existência humana: o DNA! As respostas que o homem busca sobre si mesmo, sobre sua origem primeira, enfim, a solução para os dramas que estão associados à vida não podem, em absoluto, legislar contra a vida, outorgando à sociedade instrumentos de morte como solução para estes impasses.

A Igreja é guardiã da vida. Sempre foi. Sempre será. Jamais poderá se compactuar com uma “cultura de morte” (Papa João Paulo II), mesmo que para isto - para defender o direito à vida - coloque sua própria existência sob ameaça da truculência do século.

A Arquidiocese de Juiz de Fora, a CODEVIDA (Comissão Arquidiocesana em Defesa da Vida) e a Obra dos Pequenos Monges do Pater Noster, no intuito de estimular as melhores mentes da comunidade juizforana em torno desta que está se tornando a principal pauta em discussão no cenário nacional, atraindo os olhares do mundo para a postura do Brasil nesta questão, realizarão na Faculdade de Medicina da UFJF, no dia 03 de dezembro de 2010 o II SIMPÓSIO de BIOÉTICA: VIDA e EMBRIÕES!

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

Confira a programação, divulgue e participe:

II Simpósio VIDA e EMBRIÕES!

Local: Anfiteatro de Medicina da UFJF

Data: 03 de dezembro de 2010

Programação:

· 09:00 – Abertura (Dom Gil Antônio Moreira)

· 09:30 – Apresentação do filme O grito silencioso

· 10:00 – Enfoques e abordagens:

- Filosófica (Pe. Elílio de Faria Matos)

- Jurídica (Dr. Victor Paschoalim de Castro)

- Científica (Dr. Ivan Augusto Vaz de Melo)

- Ética (Pe. Frei Flávio Henrique de Castro, pmPN)

· 14:30 – Aborto! Problema de saúde pública sim: SPA (Síndrome Pós Aborto) (Pe. Frei Flávio Henrique de Castro, pmPN)

· 15:15 – Considerações sobre a SPA (Membros da CODEVIDA: Dr. Ivan Augusto, Luciana Lobo, Zânia Batista)

sábado, 13 de novembro de 2010

(Parte I) O reinocentrismo atual na esteira do “espírito revoltoso”...

Toda árvore que hoje existe como tal, adulta, veio de uma semente, muda ou raiz.

Algumas, no entanto, produzem alimento saudável e madeira resistente para boas construções. Outras servem ao homem e à natureza numa gama bem diversa de bens e insumos.

Contudo, há aquelas que produzem apenas folhas sem serventia e, quando ressequidas, prestam somente como lenha para inflamar o fogo.

Assim também acontece com o conhecimento.

As sabedorias das novas ciências no contexto da modernidade que, hoje, com seus “troncos robustos” e suas “copas viçosas” fornecem “sombra” para as idéias e expectativas de nosso tempo, um dia, foram pequenas como “sementes” e “tenras como raízes” na pena dos filósofos, cientistas e sábios iluministas...

Muitas dessas sabedorias se tornaram universalmente “frondosas” e “viçosas”, e, por tal razão, predominam no “solo” da cultura hodierna.

Nem sempre, contudo, a predominância, a robustez e o aspecto viçoso são sinônimos de produtividade e/ou utilidade. Recordemos o exemplo do Evangelho:

“Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela, mas só achou nela folhas; e disse-lhe: ‘Jamais nasça fruto de ti!’ E imediatamente a figueira secou.”[1] (Grifo nosso)

O reinocentrismo é semelhante a tal figueira.

E o que é o reinocentrismo?

É um modelo eclesiológico (eclesiologia é o estudo sobre a Igreja) cuja “semente” foi plantada na história em larga escala desde o tempo da reforma protestante.

Este modelo eclesiológico desenvolveu-se como “vegetação” cheia de “vigor” e apresenta-se culturalmente “viçoso” em todo ocidente, embora, tal “vigor” e “viço” correspondam em medida exata ao exemplo da figueira estéril.

Nos dias atuais, devido à pujança de seu predomínio no modelo mental do ocidente, a influência deste fenômeno adentra as fronteiras de algumas teologias católicas.

E o faz através dos novos modelos antropológicos (antrophos = homem. Antropologia, em linhas gerais, diz respeito ao que é próprio do homem).

Estes modelos advêm das ciências surgidas mais recentemente na história do conhecimento (possuem apenas dois séculos, o que é muito pouco se levarmos em conta o conjunto do saber).

Tais modelos antropológicos são principalmente devedores de neo ciências como: ciências sociológicas, ciências psicológicas e, mais recentemente, em vias de formação, ciência das religiões... Todas, contudo, carentes de efetivo fundamento ontológico (ontos = ser. Ontologia, em linhas gerais, diz respeito à natureza própria do ser).

Apenas para facilitar a noção geral, lembramos que as antropologias são normalmente construídas levando-se em conta o comportamento – individual (psíquico) e coletivo (social) – do homem.

Todavia, esta capacidade humana de comportar-se diversamente da constituição inerente à sua natureza, não redefine ou reconfigura – como pretendem os modernos - sua constituição ontológica, ou seja, sua natureza intrínseca.

A Encíclica SPE SALVI do Papa Bento XVI aborda temas e questões que arremetem ao problema eclesiológico do reinocentrismo. Numa análise desta encíclica feita pelo padre Elílio de Faria Matos, encontramos o seguinte trecho que resume bem esse assunto:

“Essa teologia dita reinocêntrica ao mesmo tempo em que diz com acerto que o fundamental é o reino de Deus, erra fragorosamente ao separar o reino da Igreja e, no fim das contas, como notou o então Cardeal Ratzinger, ao separar o reino do próprio Deus, dobrando o seu sentido numa direção prevalentemente horizontal e terrestre. Cumpre notar que o Reino de Deus anunciado por Jesus e presente no mundo pela ação do Espírito, embora não se restrinja às fronteiras visíveis da Igreja, tem uma relação intrínseca e misteriosa com ela, que, por vontade de Deus, é o “sacramento universal da salvação” (Lumen gentium , n. 48).[2]

É este fragoroso erro destacado pelo Pe. Elílio – que separa o Reino da Igreja - que nos levará até os anais da história, para que possamos perceber a reforma protestante como principal núcleo produtor desse modelo mental “reinante” há mais de cinco séculos...

Ora, por que afirmamos peremptoriamente que é no espírito da reforma protestante -ocorrida há mais de cinco séculos - que se encontra a raiz ou semente das antropologias modernas, as quais semearam na religião de nossos dias o mesmo modelo mental?

Há um elo comum entre o espírito dos reformadores do século XV e o espírito dos iluministas do século XVIII:

- os reformadores postularam o livre exame (interpretação livre da Bíblia, questionando a autoridade da Tradição, do Magistério, dos Dogmas, etc);

- os iluministas fundamentaram o princípio da autonomia (princípio de liberdade que questiona e/ou mesmo suprime a autoridade em todos os âmbitos).

Neste sentido, pode-se dizer que o espírito da reforma protestante, que insurge contra os elementos (Tradição, Magistério, Dogmas, Hierarquia, etc) que dão ao conhecimento Bíblico um sentido pleno de unidade e coerência do Texto Sagrado, transferiu para demais áreas do conhecimento o mesmo modelo de raciocínio, apenas que aplicado às novas formas de saber, multiplicando este erro por todo o ocidente.

É sob a égide deste fenômeno tornado universal no campo do saber religioso e secular que as novas ciências que elencamos acima surgiram.

Dito isto, retornemos ao ambiente originário de todo este paradigma do conhecimento.

O fenômeno reinocentrista, hoje tão difuso na cultura cristã ocidental, era, no contexto da reforma protestante, um conjunto de sementes que se esparramaram pela Europa ao bel sabor do vento impetuoso do livre exame.

Para fazer uma análise pontual dessa constatação, escolhemos um documento histórico que nos parece bem a propósito para perscrutar o mecanismo interno desse fenômeno reinocentrista.

E para verificar suas incongruências e contradições como aplicação prática, tomaremos como ponto de partida, na segunda parte desta reflexão, a carta que o primeiro teólogo reformador (Lutero, protagonista do reinocentrismo) dirigiu contra os demais reformadores que não se submetiam às suas idéias.

Curioso notar que aquele que questionava – através do livre exame – uma autoridade legítima capaz de interpretar universalmente a Bíblia, quis impor - aos que lhe seguiram o espírito de livre examinador - uma espécie de primado autoritário e truculento... Primado este que ele rejeitava veementemente em qualquer outro.

Teoricamente, não se apresentava com tal pretensão. Mas, o que a história demonstra é que na prática, seu poder de articulação mostrou-se ditatorial, orquestrando ideologicamente os príncipes da saxônia para o agir bélico contra seus próprios comparsas, contra o povo e contra a Igreja, para sufocar a revolta que ele iniciara e que lhe escapara das mãos...

(Parte II) O reinocentrismo atual na esteira do “espírito revoltoso”...

O mecanismo interno do “espírito revoltoso”: a contradição!

Martinho Lutero, ícone da reforma protestante, teólogo renomado de Wittemberg, dirigiu aos Príncipes da Saxônia, em 1524, uma missiva contra o que chamou de “espírito revoltoso”.

Nesta carta, Thomas Müntzer, considerado grande pregador de Allstedt, influenciado pelas idéias de Lutero inicia seu próprio movimento de protesto contra a Única Igreja Fundada por Jesus Cristo: a Católica. Como Müntzer não se curva às admoestações de Lutero, é acusado de ser a proeminente liderança desses “espíritos revoltosos”.

Como já abordamos em outros artigos, a diferença entre paradoxo e contradição realiza, necessariamente, uma antinomia de sentimentos na estrutura do pensamento.

Que isso quer dizer?

Todas as vezes que olhamos para um fato, uma situação, uma idéia, enfim, qualquer coisa que nos faça emitir um juízo crítico – no sentido de opinião – a respeito daquilo que estamos avaliando, então, nossas considerações jamais serão neutras e imparciais.

Dentre muitas outras razões, que aqui não compete tratar, duas são elementares para demonstrar o que acabamos de afirmar.

A primeira: tudo aquilo que julgamos criticamente – sempre no sentido de opinar – nos afeta, causando motivações interiores. Por maior que seja nosso esforço ético e moral de manter imparcialidade sobre a questão analisada, somos afetados pelos conteúdos que abordamos. Em outras palavras: não existe imparcialidade pura.

É verdade que nosso esforço de ser ético e moralmente correto, nos permite construir uma opinião que não indique, necessariamente, as implicações que aquela realidade perscrutada por nós realizou em nossa interioridade.

Apesar disto ser possível, é fato irrecusável que, no mínimo, o discurso sobre o que analisamos, estará impregnado de nosso esforço de não demonstrar como nos afetou aquilo que julgamos.

E, sendo assim, as entrelinhas semânticas da nossa expressão estarão povoadas por nossos afetos, ainda que não revelados objetivamente pelo nosso discurso.

A segunda razão que nos permite afirmar que nossas considerações sobre qualquer coisa jamais são puramente neutras e imparciais, é dada pelo modelo mental com o qual analisamos o que está em questão.

Se o modelo mental é paradoxal, tende-se a interpretar as diferenças de modo conciliatório. Quem vê como paradoxo as diferenças entre as realidades, aceita as contundências e contingências com espírito de resignação.

Se, ao contrário, o modelo mental é contraditório, o raciocínio fica impelido a interpretar todas as coisas acentuando as diferenças e explorando a contradição entre elas. Neste caso, o espírito que subjaz a este modelo, inversamente à resignação, é o da revolta.

Fizemos este preâmbulo com o objetivo de tornar possível a análise da famosa carta de Lutero aos Príncipes da Saxônia, considerando este modelo mental comum a todos os reformadores. Não obstante, devam-se levar em conta as diferenças ideológicas existentes entre os líderes do movimento protestante.

A carta de Lutero aos Príncipes da Saxônia

No contexto do berço da reforma, o autor da supracitada carta - e pioneiro do protestantismo - esbarrou numa das conseqüências dolorosas do livre exame, que ele próprio denominou “espírito revoltoso”.

O núcleo da reforma protestante, com todos os desdobramentos do livre exame das Sagradas Escrituras, é: cada mente, de acordo com a afetação que lhe produz o contexto em que vive e os interesses de aceitação ou rejeição que a abarcam, desenvolve sua própria interpretação das Escrituras.

No livre exame não existe um fio comum que promova uma interpretação universal e correta do texto Bíblico.

Elementos fundamentais como: um Magistério ininterrupto e não contraditório ao longo da história, a unidade hierárquica, bem como a coerência histórica de uma Tradição inteira precedente, não servem como parâmetros para a presunção de “espíritos revoltosos”.

À época, Lutero se articulou com prontidão para impedir que os seus protestos - contra o Papa da Igreja e os seus aliados do poder secular (o que inclui o Rei de Alemanha) - fossem considerados responsáveis pelos focos revolucionários belicosos, iniciados, sim, pelo fervor de sua oposição ao catolicismo.

Lutero se valeu do radicalismo extremo dos discursos de Thomas Müntzer, vendo nisto uma saída para apontar um “bode-expiatório” que disfarçasse a dinâmica terrivelmente divisora de suas 95 teses.

Foram essas 95 teses luteranas, baseadas no livre e contraditório exame da Bíblia, que rachara não apenas a unidade dos cristãos, mas, começara a picar em milhares de partes desconexas o que hoje constitui o maior fenômeno religioso de todos os tempos: especialmente no Brasil, a cada botequim que fecha, é uma seita cristã que abre... e o pai de todas elas há que se dizer, doa a quem doer: é Lutero!

São João, Autor do Apocalipse (Livro da Revelação) ensina que o “espírito da divisão” é o espírito do anticristo.

Isto não é de pouca monta...

O Cisma entre o Ocidente e o Oriente ocorrido no ano de 1054 não dividiu a Igreja, porquanto a Fé professada seguiu possuindo os mesmos elementos basilares, a saber: Doutrina Fundamental, Sacramentos, Hierarquia com ininterrupta sucessão Apostólica, Sacerdócio Ordenado, reconhecimento de que foi escolha de Deus fazer encarnar o Verbo Eterno no Ventre Santíssimo da Virgem Maria, etc.

Enfim, o Cisma realizou o afastamento entre as Tradições do Ocidente e do Oriente no modo como administrar estes dons e todos os demais que são de Instituição Divina, mas, não dividiu a Igreja no sentido próprio e essencial do termo.

A Igreja, apesar da dor do Cisma, prosseguiu sendo Una em sua essência, não obstante, diversa nas duas formas tradicionais, embora, infelizmente, tendo uma de suas Grande Tradições afastada do Sucessor de Pedro.

Já o movimento começado na Alemanha por Lutero, pouco mais de quatro séculos após o Cisma entre o Ocidente e o Oriente, dividiu, separou, fragmentou, na prática - como se pode notar que continua a fazer - esfacelando a comunidade cristã.

O movimento da reforma causou – e continua a causar - divisão não apenas das comunidades, mas o esfacelamento da própria fé do cristianismo no ocidente, transformando o que é Sagrado num amontoado de casuísmo interesseiro, fenômeno que não aconteceu com o Cisma entre Ocidente e Oriente.

A reforma protestante contém em si o “espírito da divisão” (semelhante a indicação do Autor do Apocalipse) porque realiza o retalhamento da doutrina de acordo com a conveniência de qualquer um que se disponha a colocar uma capa de cordeiro no ombro, para cobrar dízimo fazendo pose de pastor de vitrine.

Este movimento reformador estripou o princípio da unidade Evangélica e moeu a realidade dos Sacramentos Divinos.

Enfim, devolveu ao pó a Verdade sobre Cristo e esparramou o resultado desta pulverização numa tempestade de areia por todos os rincões da terra, fazendo o homem moderno vagar num deserto existencial que vai do frio alucinante das noites escuras do transcendentalismo (fruto das teologias da prosperidade) aos dias causticantes e terrivelmente áridos do imanentismo (fruto das teologias da libertação).

E há quem acredite que vai dar para remendar ecumenicamente esta colcha de retalhos apodrecidos, apesar do Evangelho garantir que não se coloca remendo “novo” em pano “velho”...

E há quem tendo olhos insiste em não ver. Tendo ouvidos insiste em não ouvir. Tendo o coração endurecido pelo compromisso com o farisaísmo do “politicamente correto”, insiste em não compreender que o “espírito do anticristo” é o “espírito da divisão”...

E tudo começou lá, no século XV, com o latido de um pastor alemão... que dispersou as ovelhas... que mordeu o Calcanhar do Pastor... que contraiu hidrofobia espiritual e fez sua baba raivosa e desobediente adoecer metade da Europa de seu tempo, até que em nossos dias a outra metade esmorecesse na Verdadeira Fé...

A teologia dessas 95 teses luteranas impôs-se como um levante insurgente, próprio dos “espíritos revoltosos”, contra a unidade da Fé.

Foi um protesto altivo, cheio de empáfia e encharcado no “espírito da desobediência” – não belicoso como o de Müntzer, mas igualmente “revoltoso” - contra a Igreja e contra a ordem constituída pela sucessão ininterrupta de bispos unidos ao Sucessor de Pedro, desde o tempo Apostólico.

Mergulhando nas linhas da carta, poderemos extrair - das entrelinhas de Lutero - o mesmo “espírito revoltoso” que ele enxergou no posicionamento de Müntzer. Só que, claro, camuflado pela falácia pacificadora que reivindicava uma nova ordem mundial, desde que esta nova ordem rejeitasse a autoridade papal para se submeter tão somente aos postulados de suas 95 teses.

Nenhum princípio que evoca a legitimidade da autonomia dos processos se levanta contra uma determinada ordem instituída sem exigir, em contrapartida, o controle absoluto da nova ordem emergente, via de regra, ao preço de cabeças colocadas à prêmio. A nova esquerda latino americana que o diga, não é mesmo?!... Será que eu posso dizer democraticamente isto sem ser sancionado? Veremos até quando...

Mas, deixemos de lado os veneradores seculares do Lutero canonizado por Hollywood e voltemos ao próprio alemão revoltado, naquele contexto, com aqueles que levaram em conta o movimento que ele começara...

Se o radicalismo dos argumentos de Müntzer permitiu Lutero deduzir que o ex colega de teologia intentava realizar um projeto revolucionário e sanguinário, então, da manobra política de Lutero, bem como de sua insubordinação e auto suficiência teórica, poderemos perceber o mesmo “espírito revoltoso”, a sustentar um projeto teológico reacionário e pretensamente pacificador (visto que a própria carta incita os príncipes a fazer uso da espada para conter os ânimos dos que se deixaram convencer pelas suas próprias idéias de protesto e revolta contra a Igreja).

Esta pretensão de conciliação e concórdia de Lutero se verifica falsa quando, na mesma carta, Lutero admoesta que os Príncipes deveriam agir rápido e esmagar a revolta do povo sob a influência de Müntzer.

Foi um banho de sangue em que dezenas de milhares de pessoas foram mortas por causa da vaidade de um reformador de araque.

É duro dizer, mas, hoje, uma vez mais, a grande maioria católica se deixa influenciar pelo mesmo “espírito revoltoso”. O que não faltam são Boff’s e Beto’s para substituir Lutero... E nem Che’s, Fidel’s, Chaves e... companhia ltda... para fazer as vezes de Müntzer...

Opa... voltemos de novo à época em que tudo começou...

A carta de Lutero aos Príncepes da Saxônia apresenta uma introdução que ajuda a contextualizar a situação.

Entre os aspectos introduzidos na carta, destaca-se a tensão interna ao movimento da reforma que chegou - nas palavras de Lutero - “em certos momentos a antagonismos insuperáveis”.[1] Também aborda, nesta introdução, a franca oposição ideológica entre ele (Lutero) e um pregador influente da “pequena cidade de Allstedt” (Müntzer).

A denúncia de Lutero não fôra dirigida exclusivamente contra este expoente de Allstedt, mas, se entendia de modo generalizado a todos aqueles imbuídos do “espírito revoltoso”.[2] Todavia, ao longo do texto, fica clara a existência de uma polêmica especial entre Lutero e Müntzer.

Em 1523, Lutero fez tentativas para aproximar-se de Müntzer através de amigos. Tal iniciativa, indireta e sub-reptícia, apenas instigou o pregador de Allstedt a publicar outras duas obras, que aumentaram ainda mais a distância ideológica entre um e outro.

A escola de Wittemberg, que seguia o modelo reformador de Lutero, ia se constituindo no principal centro difusor do espírito protestante. Ao mesmo tempo, produzia seus próprios opositores, naturalmente, dentro do mesmo modelo mental protestante, apesar de ideologicamente adversos.

Em meados do ano seguinte, após Müntzer apresentar aos Duques João - o Constante - e João Frederico - o Magnânimo - sua “famosa prédica sobre o segundo capítulo de Daniel”,[3] Lutero reagiu com força, redigindo o que aqui é objeto de nossa investigação: a “Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso”.

O teor dessa missiva incitava as autoridades civis estabelecidas contra estes grupos revolucionários, evocando para tanto, de modo fundamentalista, o princípio bíblico da autoridade constituída extraído de modo distorcido da epístola aos Romanos, capítulo 13.

Feita esta breve contextualização passemos a concluir sumariamente o relevante aspecto do corpo da carta redigida por Lutero e dirigida aos Príncipes da Saxônia.

Após saudar os Senhores Feudais, Lutero, inicia sua argumentação contra o “espírito revoltoso” fazendo uma estreita e tendenciosa abordagem histórico-teológica. E o faz estabelecendo uma divisão da história que pretendia colocar desnuda a ação do “diabo de Allstedt” contra sua lógica reformadora.

Não nos interessa, neste contexto, penetrar os argumentos de Lutero e sua paupérrima abordagem histórico-teológica para demonstrar os erros primários oriundos de sua presunção intelectual e espiritual.

Interessa-nos verificar o quanto é aplicável a ele, Lutero, à modernidade que se apropriou do mesmo espírito na formulação do saber secular e, até mesmo, é aplicável às “hermenêuticas da ruptura” (segundo Bento XVI) do pós Concílio Vaticano II aquilo que o teólogo alemão protestante chamou de “espírito revoltoso”.

Aliás, aqui cabe uma necessária ênfase. Não obstante Lutero evoca o princípio do livre exame para compreender as Escrituras, só o admite na perspectiva do viés doutrinário de suas 95 teses. Toda divergência ideológica explicita ao teólogo de Wittemberg era passível de anátema pelo próprio Lutero.

Este já é um claro indício da forma mentis luterana, que analisa as coisas segundo o princípio da contradição.

E a matriz intrínseca deste princípio da contradição é o espírito da revolta ou, como enxerga o próprio Lutero como sendo cisco no olho alheio, sem antes perceber a trave em seus olhos: “espírito revoltoso”.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN



[1] LUTERO, Martin. Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso. In: Obras Selecionadas: Martinho Lutero. Vol 6. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Concórdia, 1996, p. 284.

[2] Ibidem, p. 285.

[3] Ibidem, p. 284.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Volontà di Dio paradiso mio... e o seu?

É... a Vontade de Deus é o meu paraíso, repetia constantemente Santa Paulina...

O mundo em que vivemos está marcado pela discórdia, pela balbúrdia, pelas contradições, divisões, desentendimentos, enfim, pelos conflitos e guerras... guerras interiores, guerras conjugais, guerras familiares, guerras urbanas, guerras religiosas, guerras econômicas, sociais, culturais, étnicas... guerras, guerras, guerras e mais guerras...

Toda guerra, via de regra, é o ato de combater. Uma guerra se estabelece sempre que duas forças opostas se enfrentam. Ou quando uma vontade ou escolha se estabelece contra o que está instalado ou proposto a partir das circunstâncias ou da vontade alheia.

A guerra é a oposição assumida - como escolha - contra algo ou alguém (que pode ser eu mesmo).

O ser humano, em razão do que denomina ser seu mais legítimo direito individual – a sua vontade – entra permanentemente em situação de combate contra tudo e contra todos...

Podemos dizer sem hesitação: o ser humano está permanentemente em estado de guerra contra si mesmo, contra seu semelhante, contra o mundo e contra Deus!

O ser humano é um soldado de causa própria, que segue religiosamente as patentes do seu querer. O general que ocupa o mais alto posto no comando das escolhas de um indivíduo é o querer. Quando o homem convence a si mesmo, decidindo: eu quero... sai de baixo... é capaz de coisas inimagináveis...

Nesta guerra que mantém diuturnamente contra tudo e todos – a começar por si - a primeira coisa que o homem mata, quando decide algo em seu íntimo, é a possibilidade de admitir que seu desejo não possa ser contemplado.

Como é difícil para o homem desejar alguma coisa e, junto com o desejo, incluir a aceitação da não realização daquele desejo como uma possibilidade factível... A turminha do sucesso que o diga...

Hoje - em dias que estão em voga auto estima, auto imagem, etc – os que perseguem o sucesso e a realização de seus sonhos, dirão que um desejo de conquista que surge de comum acordo com a aceitação de não se atingir o objetivo, é um desejo morto, estéril, sem força, impotente, enfim, fadado ao fracasso desde o momento de sua concepção...

Afinal, pensam: se eu não for forte o bastante para vencer a oposição que existe dentro de mim para atingir meus objetivos, como vencerei todas as demais oposições que contrariam as minhas vontades???...

E assim se estabelece o fogo cruzado entre o querer íntimo e o resto, sem tréguas e sem bandeira branca de paz...

De guerra em guerra a vontade do homem vai se multiplicando e construindo impérios, estabelecendo reinos, impondo ditaduras, negociando - vez ou outra - algum tipo de consenso democrático entre o querer e a não possibilidade de realizá-lo... Mas, em todos os casos, o jogo do poder, que determina quem vai governar o fato prático da vida, está estabelecido... E a voz universal de comando é: Fogo! Fogo! Fogo!

E as guerras dentro do homem avançam altivas contra o território da interioridade e invadem as terras alheias da exterioridade...

E elas se multiplicam, ad infinitum, rompendo dia e noite o sossego da consciência e destruindo a cada instante qualquer frágil tratado de paz...

Tal é a guerra do homem contra o homem...

Por isto a Religião diz que estamos fora do Paraíso... nós fomos expulsos dele... No Paraíso há paz, concórdia, entendimento... diz o profeta Isaías sobre a restauração do Paraíso onde Reina a Paz: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão, como um boi, se alimentará de palha; e a serpente comerá terra. Nenhum mal nem desordem alguma será cometida, em todo o meu monte santo, diz o Senhor” (Isaías.65, 25).

Os espíritos desavisados prontamente concluirão: então a solução para a paz é harmonia conciliadora entre as forças opostas? A passividade total e absoluta diante dos desafios e responsabilidades? A indiferença mórbida face às escolhas e as exigências terríveis impostas pela liberdade? O aniquilamento puro e simples do querer, do desejo, da vontade? Enfim, a paz se estabelece quando “neutralizamos” a guerra com o quietismo?

Não. Definitivamente não...

A harmonia dos opostos, o aniquilamento da vontade, o quietismo das escolhas não promovem a verdadeira paz...

Ora, então, em que consiste a Paz???

A Paz tem seu princípio não na anulação das forças de guerra, estabelecidas no gênero com as marcas do pecado original (que são as motivações do querer e do desejo à revelia da Vontade de Deus).

A Paz tem seu princípio na mudança de alvo. Neste permanente processo de guerra instalado no gênero humano - após o ato intrínseco de perpetuar a oposição à ordem estabelecida na criação (= Vontade de Deus) - o alvo visado para principiar a Paz é o que noutro texto chamamos de vontade indômita.

A Paz começa quando - neste inevitável campo de batalha que é a vida no mundo presente - redirecionamos o canhão da nossa liberdade (carregado com a pólvora de nossas escolhas) e redefinimos o único alvo válido nesta guerra fora do Éden, a saber: a nossa vontade, sempre que ela estiver disposta a destruir a legítima vontade do outro e a Perfeita e Soberana Vontade de Deus.

Isso mesmo, a Paz começa quando o canhão da nossa vontade dispara contra a nossa própria vontade se, ela (nossa vontade), está prestes a invadir o território da vontade alheia (dos homens ou de Deus).

Por uma questão de lógica, a revolta (que amplia as guerras internas e externas ao homem), se é destruída quando a nossa vontade está amotinada, pronta para promover revoluções dentro e fora de nós, então, a Paz se restabelece.

Por isto a Paz não vem do quietismo que aceita a liberdade de todas as vontades (boas e más). A Paz vem da guerra que se trava contra as más vontades, que são todas aquelas que invadem, como já dito, o território particular da vontade legítima do outro e o Universo sem fronteiras da Soberana Vontade de Deus.

A Paz, portanto, não está intrinsecamente dentro do homem. Nem tampouco extrinsecamente fora dele.

A Verdadeira Paz está nAquele que criou o homem para o Paraíso e consentiu que ele pudesse escolher viver fora dele, na medida em que aplica a liberdade de acordo com sua vontade e contra a legítima vontade alheia (Eva insistiu na desobediência contra a vontade de Adão) e contra a inquestionável Vontade de Deus (“Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da CIÊNCIA DO BEM E DO MAL; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente”) (Gn 2, 16b-17).

Logo, a Verdadeira Paz será encontrada dentro do homem se lá puder Reinar a Vontade de Deus e se lá for respeitada a vontade do outro, desde que esta vontade seja também compatível com a Vontade Divina.

A Verdadeira Paz será encontrada fora do homem na medida exata em que todos os fatos – ainda que incompreendidos por nós, devido às evidências do mal aparente – são reorganizados para que na história e para além dela a Vontade de Deus chegue ao seu termo.

Por esta razão, mesmo quando tudo na vida dos Santos parecia acontecer contra eles, causando-lhes o que para nós é um verdadeiro inferno, a Paz permanecia neles. O Céu acontecia na vida deles...

Quem já leu que algum(a) Santo(a) não sofreu horrores? Em contrapartida, qual deles revoltou-se ou fez guerra contra os que lhes impingiram injustiças?

Costumo repetir com freqüência (visto que sou Padre e Monge): o dia que me for apresentado um único Santo (ou uma única Santa) que não padeceu horrores nesta vida (em grande parte das vezes dentro da própria Igreja), então, na mesma hora eu abandono o hábito monástico e o Sacerdócio Católico!

Santa Paulina, primeira Santa do Brasil, padeceu continuamente humilhações, desprezo, indiferença... Foi um suplício a rotina cotidiana dela... E repetia sempre, intrépida: volontà di Dio paradiso mio!

Quer conhecer o Paraíso nesta terra de ninguém, verdadeiro campo de batalha de todos?

Pare de apontar sua vontade contra a vontade alheia que se opõe à sua vontade...

Pare de apontar sua vontade contra a vontade de Deus, mesmo quando você reza dubiamente, apresentando-Lhe uma lista de vontades e, depois, conclui seus pedidos rezando o Pai Nosso, onde pede que Ele mesmo desconsidere tudo o que você pediu antes ao dizer as palavras: seja feita a VOSSA VONTADE!...

Pare de apontar sua vontade contra ela mesma quando: ela é honesta, não fere a vontade alheia (se esta for legítima) e não desrespeita a Vontade Divina...

Volontà di Dio paradiso mio... e o seu?

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

domingo, 7 de novembro de 2010

O ORGULHO DO SABER...

Ao recorrermos uma vez mais a este tema, não pretendemos mergulhar passivamente na angústia própria da realidade instalada.

Não se trata da dramatização de um argumento, mas da evidência terrificante dos fatos.

Fatos estes que atestam com clareza, no desenvolvimento da história, a evolução do mecanismo intrínseco daquilo que a religião chama pecado: a gula humana pelo conhecimento do bem e do mal.

Ao fazermos este mergulho nada passivo, produzimos um movimento ad intra (pra dentro), fazendo deste mergulho um exercício de reação ao modo como as coisas se estabelecem.

O saber em si não é mau nem mal...

O que dá ao saber a conotação de bem ou de mal, de bom ou de mau, é o que move o ser pensante na direção do saber, isto é, as intenções adjacentes do ser ao desvendar o conhecimento.

O propósito íntimo, o desejo latente, a vontade a priori movida por uma curiosidade de saber como seria a experiência inversa ao bem dado - e ainda não conhecido – é o mecanismo interno do mal.

Este mecanismo intrínseco do mal é o gatilho que dispara a escolha do saber a qualquer custo, de qualquer modo, sem qualquer critério ou respeito ao bem dado como potência primária das coisas, latente no âmago de tudo à espera de uma escolha compatível que se desenvolva como ato secundário correspondente.

O bem É!

O mal se constrói NÃO SENDO.

Se tomarmos como metáfora a narrativa moral encenada no paradisíaco jardim do Éden, o que é indicado como pecado, não foi propriamente o ato de comer o “fruto” do conhecimento.

O homem foi feito para conhecer.

Não faria sentido a natureza humana estar dotada de capacidade para desenvolver o conhecimento e, por uma proibição, ser-lhe impedido o exercício desta faculdade.

Isto seria de uma gigantesca falta de bom senso. Aí sim, teríamos o mal na raiz da criação, anterior à liberdade para estabelecermos escolhas.

Mas, não é esta a realidade apriorística dos fatos relativos ao princípio das coisas.

O bem é universal e constitutivo da natureza própria das coisas existentes.

O mal é a possibilidade estabelecida pela liberdade em escolher, conhecer e investigar a realidade das coisas à revelia do que está dado nelas mesmas ou explorando a negação do que está estabelecido pelo conjunto de suas relações, como critério de verificação.

Portanto a proibição paradisíaca diz respeito a tal mecanismo de desenvolvimento do saber: a investigação da realidade a partir da verificação pela prova de oposição, pela refutação ou rejeição à natureza intrínseca das coisas e dos processos e pela manipulação desrespeitosa das leis naturais.

O fruto proibido não é o fruto do conhecimento, posto que o homem foi feito bom para conhecer o bem.

O fruto proibido é o do conhecimento do bem (verificação das coisas pelo reconhecimento do que elas de fato são) e TAMBÉM do mal (verificação das coisas pela experiência de negação e/ou oposição ao que elas de fato são em si mesmas).

Passadas gerações sem fim e mesmo depois do nascimento do novo Adão, quer dizer, o Novo Homem (biblicamente chamado de Filho do Homem, ou Cristo, que é Ungido de Deus) que fez e conheceu exclusivamente o bem ao acessar o conhecimento de todas as coisas considerando-as como de fato elas são (por isto se diz em obediência a Deus), aquele velho homem adamítico continua a reinar em nós.

Dois mil anos após a intervenção ímpar de Deus na história humana, enviando o Verdadeiro Deus Filho, feito Verdadeiro Homem, nós, humanidade, embora legítimos co-herdeiros desse processo de recriação, continuamos transgredindo o acesso à árvore do conhecimento do bem e do mal...

E, o que é pior, nós continuamos realizando mais o mal do que o bem, embora, sempre usamos como pano de fundo, a “intenção” de fazer o bem para justificar o mal que realizamos...

Analisando a dinâmica da linguagem, que exprime o comportamento humano através de conceitos e idéias, a partir de uma pesquisa recente feita por lingüistas, poderemos observar a força obtusa do conhecimento do bem e do mal perpetuado na história e suas consequências enquanto crescimento prático do mal evidente nos indivíduos e nas coletividades.

Como se diz amplamente que contra fatos não há argumentos, então, vamos aos tristes fatos, que atestam esse nosso argumento.

Segundo uma pesquisa realizada - tendo por fonte pessoas de variadas classes culturais, econômicas e sociais dos cinco continentes do globo - levantou-se uma listagem contendo 102 (cento e dois) neologismos surgidos no final do segundo milênio.

Lembrando que, neologismo, é o nome dado a uma palavra que surge sem precedentes na linguagem (ou cujo novo significado é sem precedente), que é criada para nomear ou designar algo que surge e precisa ser comunicado, uma pesquisa contabilizou, a partir destes 102 neologismos, 20 palavras mais citadas por todos os povos e culturas do século XX.

Das 20 palavras mais citadas, 18 (portanto 90%) são usadas para designar coisas relativas à tecnologia, por exemplo: televisão, rádio, computador, informática, avião, etc.

Como não existiam estas tecnologias e estes aparelhos, naturalmente, não existiam estas palavras.

Elas surgiram na língua humana para nomear e significar as realidades que antes não existiam e que passaram a existir ou significados novos que não possuíam e passaram a possuir.

Desse montante de 20 novos vocábulos (neologismo) selecionados como sendo as palavras mais usadas em todas as línguas do globo durante o século XX, apenas 02 (portanto 10%) tem uma conotação de caráter social: holocausto (que a partir do séc XIX passou a significar grandes massacres e catástrofes) e genocídio (também surgida no contexto científico do séc. XIX).

Segundo a pesquisa, que realizou o objetivo de verificar quais os termos, palavras e expressões, sem precedentes nas línguas dos povos e que surgiram para designar realidades até então desconhecidas dos homens, tiramos uma constatação desastrosa...

Os 90% de avanço tecnológico (18 palavras das 20 mais faladas no século XX), realizados com o pretexto de qualificar a vida humana, foram capazes de realizar, na prática, os piores massacres da história de todos os tempos.

Não obstante representadas por “insignificantes” 10% (apenas 2 dos 20 novos neologismos) de termos com sentido social e não tecnológico (holocausto e genocídio), estas duas míseras palavrinhas designam o enorme poder destruidor do homem, causado por sua “grande” capacidade de desenvolver a ciência do bem e do mal.

Das 20 novas palavras mais usadas em todas as línguas do século XX - o século do conhecimento - podemos concluir que: 90% de tecnologia (desenvolvimento da ciência do bem e do mal) foram aplicadas com a máxima concentração destrutiva contra o próprio homem, justificando a condensação da potência do mal em aparentemente “insignificantes” 10% de malefício social.

O mal aqui aparece na sua máxima potência, pois, estatisticamente, como fenômeno lingüístico, ele aparece com “insignificantes” 10% (apenas duas novas palavras de significado social contra 18 novas palavras com significado tecnológico, entre as mais recorrentes no século do conhecimento).

Contudo, insistindo com necessária redundância, tais numericamente “insignificantes” 10% de significado social, exprimem a máxima capacidade de o homem destruir-se a si mesmo (visto que holocausto e genocídio dizem respeito à morte em massa de seres humanos) com o conhecimento que desenvolve acerca do bem e do mal.

Como dissemos na introdução deste texto, não se trata da dramatização de um argumento, mas da evidência terrificante dos fatos, que continuam demonstrando o gigantesco déficit produzido pelo salário do pecado (a morte) ao se continuar comendo do fruto do conhecimento (ciência) do bem e do mal segundo o critério da desobediência.

Se os argumentos da religião - que procuram chamar atenção para o desmando humano - nunca são suficientes para alertar o homem sobre os desmandos do conhecimento aplicado, então, que estes fatos colhidos da lógica instalada pela realidade, sejam ao menos capazes de sensibilizar as potências cognitivas orgulhosas do saber, antes que se complete a indevida invasão do paraíso intra celular humano, na tentativa furtiva de se apropriar indebitamente do segredo concernente ao mistério da vida, que a Escritura Sagrada chama de Árvore da Vida, o que certamente custará ao homem, a segunda e definitiva morte, já que a primeira é um fato universal inexorável.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN