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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


* "PROVOCAÇÕES" MAIS ACESSADAS (clique no título):

*1º Lugar: Arquidiocese de Juiz de Fora reconhece avanço da Obra do Pater Noster...

*2º Lugar: Lealdade, caráter e honestidade... no fosso de uma piada!

*3º Lugar: Fariseu ou publicano, quem sou?

*4º Lugar: Retrospectivas e balanços de fim de ano...

*5º Lugar: “A sociedade em que vivemos”: um big brother da realidade...

* "PROVOCAÇÕES" SUGERIDAS:

*Em queda livre na escuridão...

*Somos todos hipócritas... em níveis diferentes, mas, hipócritas!

*Vocação, resposta, seguimento...

*O lugar da auto piedade...

*A natureza íntima da corrupção...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Evolução, progresso ou desenvolvimento?

Se essas três palavras - que dependendo do contexto - podem ser utilizadas uma como sinônimo da outra, que razão há para apresentá-las como se fossem distintas, sugerindo, inclusive, com tal questionamento, que uma possa se opor à outra?

Muito bem, de fato, no sentido genérico e corriqueiro da língua, evolução, progresso e desenvolvimento podem significar a mesma coisa, quando empregados para indicar a idéia geral de que uma realidade está sujeita a algum tipo de transformação através de uma sucessão de etapas consecutivas.

Todavia, cada um destes termos tem história própria tendo em vista seus surgimentos na linguagem. A etimologia de cada uma destas palavras é devedora de uma língua original que a cunhou e deu sentido.

Mas não é meu objetivo apresentar essa riqueza etimológica ou esboços de filologia (estudo das línguas) destas três importantes palavras para todas as culturas e línguas.

Minha meta, considerando a mais ampla variação semântica devido ao emprego desses vocábulos nas línguas, culturas e épocas diversas, é explorar certo contraponto entre esses termos em função de determinado paradigma semântico: o moderno/contemporâneo.

Explicando melhor, desejo acentuar certa incompatibilidade lógica que estes termos ganham conforme o significado semântico que lhes conferem os contextos sujeitos aos novos paradigmas alinhados entre si, especialmente a partir do renascimento, perpassando a modernidade iluminista e atingindo a contemporaneidade (que se pretende pós-moderna).

Na modernidade, entre tantas novidades no campo científico, três áreas emergentes ganham destaque singular, produzindo novas e inauditas formas de ver e conceber o mundo, fazendo surgir novas abordagens e discursos sobre a compreensão do homem e do mundo a partir de paradigma próprio, sobretudo, através das ciências naturais, das ciências sociológicas e das ciências psicológicas.

Todos esses novos paradigmas de conhecimento partem de um elemento comum no seu processo de construção teórica: o comportamento.

Outra característica que une essas novas ciências ao modelo mental unívoco desde o renascimento é o paradigma antropocêntrico (o homem no centro do conhecimento).

Se, por um lado, esse critério coleta evidências reais e históricas inquestionáveis para exprimir a percepção do ser sobre si e sobre o mundo em que vive, por outro, pode concluir equivocadamente sobre o que discorre.

E isto se pode afirmar porque o comportamento é um desdobramento do ser e das relações que estabelece com o ambiente. E tal desdobramento pode coincidir ou não com a verdade sobre as coisas segundo sua natureza intrínseca. Logo, as visões de mundo baseadas estrito senso no paradigma comportamental podem se aproximar da verdade em si mesma, tanto quanto podem dela se afastar ad infinitum.

Sendo assim, quem pode garantir que esses comportamentos e essas relações, ainda que comprováveis pela verificação observável, correspondem à verdadeira essência das coisas?

Em decorrência deste elemento lógico que aponta os limites patentes destas visões de mundo, outras questões surgem...

Acaso os seres que interagem nas relações diversas não têm possibilidade de se comportar contrariando padrões constitutivos de suas próprias naturezas?

E se assim o fazem, variando os comportamentos em relação às suas essências, essas variações não levariam as observações feitas à conclusões diferentes das reais naturezas das coisas?

Ora, esse leque real de possibilidades conferem, portanto, às conclusões hodiernas, ainda que com adequado embasamento científico, uma relatividade tal em seus parâmetros investigativos que é muito pouco provável que se consiga chegar à real natureza das coisas.

A régua do comportamento é muito rasa para medir a profundidade essencial da realidade.

Isto é um fato, infelizmente, ignorado pela maioria quase absoluta dos teóricos nos últimos séculos.

Mas em que esta lamentável conclusão sobre a inconsistência dos paradigmas dos conhecimentos atuais – não obstante os famosos rigores metodológicos e critérios científicos – têm que ver com as três palavras que apresentamos inicialmente como ponto de partida para o questionamento da equivalência entre elas, apesar disto acontecer no uso comum?

Ora, se é este o contexto geral da época, ocorre que estas palavras estarão sujeitas às cargas semânticas que se lhes conferem a época.

Neste sentido, teremos que considerar en passant os pilares fundamentais na construção de sentido dos paradigmas dos conhecimentos modernos, para poder chegar aos referenciais semânticos dos termos em questão, na atualidade.

Comecemos por Darwin...

Apesar do famoso naturalista inglês evitar criteriosamente o termo evolution para falar de sua teoria de “descendência com mutação”,[1] entrou para história como pai da teoria evolucionista.

Aqui temos o primeiro salto quântico, baseado pura e simplesmente no conjunto comportamental dos seres e na especulação teórica do salto entre espécies, jamais provadas ontologicamente e, contudo, jamais contestadas pelo senso comum acadêmico da atualidade.

Esse é um dogma “científico” do modelo mental na modernidade. Não é nosso propósito, aqui, entrar na querela gigantesca entre as teorias evolucionistas e as teorias criacionistas. O mérito dessa discussão não vem ao caso para podermos construir o raciocínio que dá lastro semântico aos termos apresentados. Mas, o registro dessa ocorrência que se fez valer como cultura científica, é determinante para dar ao termo nova base semântica.

Fato é: o evolucionismo atribuído a Darwin garantiu seu espaço predominante em todas as esferas do saber moderno. E isto faz com que o emprego do termo evolução em quaisquer outros contextos que não aqueles das ciências naturais, recebam a mesma carga semântica.

Logo, quando usamos sociologicamente ou psicologicamente (ou em qualquer outro âmbito do saber) a idéia de evolução, automaticamente sua semântica estará vinculada à idéia naturalista de transformação ou “desenvolvimento” capaz de saltar para além das evidências ontológicas.

De fato, as mutações da própria espécie (intra espécie) são comprovadas ontologicamente, mas os saltos de mutação de uma espécie para outra, ainda que possam ter formidáveis teorias analógicas – e inegavelmente têm -, não passam de conjeturas teóricas.

Mas a nova concepção de evolução a partir das teorias darwinianas supõe tais saltos ornamentais entre espécies, ainda que os próprios evolucionistas admitam não conseguirem provar o famoso elo genético de ligação entre espécies distintas, senão com majestoso malabarismo teórico, sem evidências práticas efetivas.

O que nos importa aqui, como dito antes, não é tergiversar com as teorias evolucionistas das espécies, mas, registrar que esta noção de evolução, enquanto “salto” de uma coisa a outra sem “elos” comprováveis, é que determina a base semântica do termo em nossos dias.

Ora, isto faz supor que sua aplicação diversa esteja tão carregada de idéias desconexas (embora pretendam fazer parte de uma linha continua de pensamento), que o resultado prático é absolutamente o mesmo: a relativização dos princípios fundamentais do próprio conhecimento em questão.

Simplificando: toda vez que se emprega, atualmente, o termo evolução na construção de idéias - devido ao contexto darwiniano que se tornou universal, determinando sua significação semântica - encontra-se embutida a idéia subjacente de que há ligações lógicas, apesar dos tais “saltos” desconexos entre as diversas fases na construção do entendimento.

E tal mecanismo continua dividindo a lógica na tentativa de multiplicar o sentido. Esse é o mecanismo interno do relativismo, que progressivamente vai destruindo o significado real das coisas - como elas de fato são em si mesmas – para construir um leque variado de significados pseudo verdadeiro.

É daí que a verdade – enquanto correspondente à natureza intrínseca das coisas – fica também relativizada. E, desse modo, multiplicam-se os teóricos, aumentando-se a oferta da sapiência na feira-livre do saber acumulado. Neste mercado promissor, o que conta é o diploma, mesmo que adquirido a troco de alguns vinténs...

Esse é o progresso atingido a partir da evolução do conhecimento hodierno...

E por falar em progresso, vamos tratar dos contextos que dão a este termo seu novo paradigma semântico.

Com o evento inegável das novas teorias sociais que - especialmente no século XIX - atingiram o seu ápice como visão de mundo através de teóricos como Karl Marx (autor da visão socialista) e Max Weber (intérprete do fenômeno capitalista), a idéia de progresso ficou fortemente vinculada ao desenvolvimento social ou desenvolvimento capital.

A partir da visão sociológica do mundo e das culturas - no ocidente (capitalista) e no oriente (socialista) – o globo rendeu-se inteiro ao novo paradigma do progresso.

Com a diferença que o leste da Europa e o resto do oriente (à exceção do Japão) investiram no progresso na perspectiva do que se acreditava ser o supra sumo do desenvolvimento social (comunismo). O que se descobriu ser um verdadeiro fiasco prático, notadamente após a queda do império comunista soviético (quanto à China, é óbvio que se trata de um império capitalista estatal e tirano, sob a maquiagem vermelha do regime comunista).

Já o ocidente – que também realizou sua exceção na adoção do modelo comum: Cuba - investiu no progresso na perspectiva do desenvolvimento econômico, que pode ser considerado igualmente um fiasco, considerando-se o assustador impacto das recentes e gigantescas crises financeiras (capital especulativo/produtivo).

E estas noções bi polarizaram o cenário global do século XX.

Um ponto comum há, todavia, neste antagonismo ideológico do progresso, nas atuais bases desses dois sistemas falidos (um já na “lona”, o outro se arrastando de modo degradante).

Destas duas vertentes inconciliáveis na história recente, pode-se concluir como ponto comum: ambas as culturas modernas coincidiram seus objetivos no que tange à busca pelo progresso científico.

A corrida armamentista - e/ou de busca pela proeminência do modelo ideológico no cenário internacional - levou e leva ao progresso tecnológico e científico.

Sendo assim, na carga semântica global para progresso na cultura contemporânea – seguindo o espírito iluminista da modernidade – subjaz a idéia de disputa, concorrência, superação, sucesso, realização, etc... mesmo que ao preço de fazer sucumbir o resto, a saber: a liberdade social (no caso do progresso socialista); e os necessários limites morais e éticos tão exíguos – e por vezes inexistentes - no caso do progresso capitalista.

E note-se que estamos falando de modelos desenvolvimentistas evoluídos na história, na perspectiva de um progresso ascendente do homem...

Se o homem de nossos dias evolui e progride com tamanha competência técnica, científica, social, política, econômica, etc – como jamais pudera sequer imaginar na antiguidade – porque será então que colhe resultados práticos tão retrógrados como o cerceamento da liberdade social (na sociedade comunista) ou como a libertinagem auto destrutiva patrocinada a peso de ouro pela sociedade capitalista?

É ainda mais duro constar que os modelos teológicos predominantes em nossos dias são devedores desses modelos de evolução e progresso, chafurdados na perspectiva semântica dos referidos modelos científicos.

De um lado, temos consoante com isto, a teologia dos pobres que se pensa evoluída na perspectiva da visão sociológica para promover o progresso social. De outro, temos a teologia da prosperidade neo pentecostal, cujo paradigma de “fé” acredita ter dado aquele “salto” evolutivo para ajudar o indivíduo a progredir na vida como um abençoado de Deus.

Ambas, sem que o percebam – quero crer – desenvolvem a consciência cristã na perspectiva gnóstica inversamente proporcional: os libertadores são imanentistas (reduzem a Transcendência à história); os pentecostais são transcendentalistas (pretendem elevar a imanência, por força de convicção – que chamam de “fé” – aos píncaros dos bens futuros, só que no tempo presente).

O progresso, portanto, dentro do espírito da modernidade, acaba importando para o conhecimento teológico as deformações semânticas da língua, sem fazer uma adequada exegese da Revelação.

Com isso, o conceito de progresso – dentro desse contexto semântico – é aproveitado pela teologia da libertação, na pretensão de que haja uma ascensão temporal “por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente” (CIC 677). O que não corresponde nem à Verdadeira Fé nem ao conjunto de Doutrina da Única Igreja de Cristo.

É ainda dentro deste ambiente teológico que está presente a idéia de evolução (gnóstica), no desdobramento da chamada teologia ecológica, onde, a gaia (terra), mais que admirada como elemento vivo da criação, passa a ser pouco a pouco idolatrada como “deusa mãe”...

No outro extremo, igualmente se apropriando indevidamente desses mesmos conceitos de evolução e progresso (devedores da nova semântica), os movimentos de tendência espiritualista neo pentecostais (dentro e fora da Igreja Católica), acreditam no progresso material através da teologia da prosperidade, bem como postulam – tendendo para uma espécie de gnose - uma evolução espiritual através de uma “fé” de convicções pessoais e de expectativas emocionais.

Essa nossa “provocação” reflexiva não vai de modo algum esgotar – ou sequer fundamentar sistematicamente - os aspectos aqui apresentados tão somente como “provocação”, e nada mais.

Há ainda o conceito de desenvolvimento para ser considerado neste cenário, realmente mais caótico que católico...

Voltando ao ambiente das ciências naturais, o desenvolvimento cabe quando se deseja falar das diferentes fases da natureza, sem saltos evolutivos entre espécies.

No ambiente das ciências sociais, o desenvolvimento é utilizado para medir as várias fases do progresso social ou econômico (também político, cultural, etc).

Mas, entre as novas ciências (aquelas que possuem menos de três séculos), a que mais se vale do conceito de desenvolvimento, reforçando, a nosso ver, a clássica e expressiva carga semântica, são as ciências psicológicas.

No seu esquema teórico, as ciências psicológicas dão ao vocábulo desenvolvimento algo que lhe é próprio segundo sua etimologia.

As ciências psicológicas – assim como as anteriores – estabelecem suas conclusões teóricas com base no comportamento. Portanto, elas, igualmente estão sujeitas ao equívoco de uma percepção que se oponha ao estatuto ontológico do homem, não obstante conservem a boa semântica do conceito de desenvolvimento. Daí é que derivam os principais erros antropológicos predominantes na modernidade, ou seja, antropologias sem fundamentação ontológica.

Mesmo assim, na noção de desenvolvimento comumente inerente à fundamentação das teses segundo essas ciências, há um aspecto positivo no contributo semântico. Se nós somos obrigados a admitir falhas ontológicas na visão do homem segundo as ciências psicológicas (devido ao fato de considerarem o comportamento para além das características intrínsecas do ente), não podemos negar que, diferentemente das outras novas ciências (naturais evolutivas e sociológicas progressivas), estas fazem um uso menos inadequado do conceito de desenvolvimento.

O desenvolvimento é compreendido como etapa dentro daquilo que é próprio à natureza. Neste sentido, não há desvio da sua significação etimológica ou mesmo da tradição semântica clássica. Todavia, erram igualmente seguindo suas irmãs de época, quando postulam que o indivíduo possa, por exemplo, desenvolver de modo natural e aceitável aptidões afetivo-sexuais contrárias à própria natureza.

Naturalmente não concordo com o modelo mental das ciências psicológicas, que reduzem o ente a um conjunto de comportamentos, desconsiderando a sua natureza intrínseca, apriorística. E é preciso condenar o novo sentido semântico que pretendem dar ao conceito de desenvolvimento quando, para justificar anomalias comportamentais do indivíduo ou da coletividade, admitem como lícitas escolhas que se contraponham à natureza.

É verdade que nestes termos o conceito de desenvolvimento é mal aplicado, sobretudo, do ponto de vista do referido e impróprio reducionismo do ente ao conjunto variado de seus comportamentos (que podem concordar ou discordar de sua natureza própria, tal qual ela é em si mesma).

Mas, que apesar dessa grave deformação de pressuposto, por raras vezes que sejam, no ambiente das ciências psicológicas, o sentido de desenvolvimento é consoante com seu significado clássico de ser um processo de desdobramento de etapas segundo o que é próprio da natureza, isto é inegável.

Na natureza criada (e não evoluída anarquicamente ao bel prazer do acaso), há patentes indeléveis determinadas e determinantes do en to on (o ser em sua substância).

Ora, esta é a estupenda evidência colhida no mundo natural, como aquela apontada no exemplo dado de que o zigoto humano só vai desenvolver fases distintas dentro das variáveis pré determinadas pelos limites evidentes da natureza própria: não será outra coisa que não homem. Ou seja, não há possibilidade de transformar-se em abóbora em absolutamente nenhuma fase do seu processo de desenvolvimento (isto só é possível na magnífica capacidade de produzir contos de fada, como o belo conto da Cinderela. Na realidade, jamais.).

Diante de tudo isto, em sã consciência, eu posso chegar a uma só conclusão, sem derrapar no engodo das aparências de verdade, todas camufladas por idéias que saltam desconexamente de nenhum lugar para lugar nenhum...

Trocando em miúdos: evolução, progresso ou desenvolvimento?

Tendo considerado o panorama contextual do pensamento moderno e suas influências semânticas nestes conceitos, não hesitarei em responder consoante com Santo Ireneu de Lyon:

O homem não é perfeito nem imperfeito, mas foi criado em vista de seu desenvolvimento, até atingir a estatura de Cristo” (cf. Adversus Haereses)

O conceito de desenvolvimento, portanto, que respeita a natureza própria das coisas tal como elas o são em si mesmas, só pode saltar transcendentemente à sua própria realidade por Ação específica da Graça Divina. Fora disto, tudo está enredado por uma perspectiva gnóstica. Tais noções modernas de ascendência da evolução e do progresso são, por esta razão, eivadas da recorrente perspectiva gnóstica que atravessa a história. Não é por menos que a síntese kantiana entre o racionalismo e o empirismo, denomina-se iluminista...

Precisa dizer algo mais?

Só não enxerga quem não quer ver. Só não ouve quem não quer ouvir. Só não compreende quem está com o coração endurecido pela crença de que o homem pode salvar a si mesmo, evoluindo e progredindo, por força de seu conhecimento acumulado ascendentemente na história...

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

Justo apelo em favor dos cristãos no Egito...

Atendendo muito justa solicitação do jovem Philippe Gebara, sempre atento às notícias dos Melquitas no mundo e solícito à nobre causa do tesouro cristão oriental, publico abaixo importante nota informando a situação delicada dos cristãos no Egito.

Rezemos por nossos irmãos na Fé nessa nova era de martírio que se levanta no horizonte contra a Igreja. De minha parte, atendendo ao apelo do Sr. Bispo Canadense rezarei, a partir de hoje, 7 Santas Missas nessas intenções.

Convido os leitores deste blog a unirem-se nestas intenções em suas orações pessoais. A oração é a maior força do cristão. Rezemos.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

Favor circular a seguinte nota do Bispo Ibrahim Ibrahim (da Eparquia Melquita do Canadá):

“Acabei de falar com o Abuna (Padre) Rafic Greish e com Michel Lakah no Cairo; eles estão bem, apesar da situação difícil. Falaram-me que todos em nossas comunidades do Cairo, Alexandria, Tanta e dos outros lugares estão bem. As linhas telefônicas foram restauradas poucas horas atrás, mas até agora não há internet. Alimentos, água e gás vão faltar se a situação não melhorar. Por favor, rezemos por eles, por cada egípcio, pela paz e estabilidade no país (Domingo, 30 de janeiro de 2011, 8:24 am).”

Tradução do inglês por Philippe Gebara

Lembro que o Vigário Patriarcal do Cairo para os Melquitas é um brasileiro, filho de nossa Eparquia de N.Sra. do Paraíso, Mons. Mauricio Curi.

Philippe Gebara (http://sinaxe.wordpress.com/)

sábado, 29 de janeiro de 2011

O encontro de Jesus com Zaqueu ( Lc 19, 1-10) p/ Dom Farès Maakaroun

Amados meus,

A passagem que acabamos de ouvir da Sagrada Escritura, o encontro de Jesus com Zaqueu, para nós sacerdotes possui uma característica fundamental, pois é o encontro que Jesus celebra o Sacramento da Confissão, o Magnânimo Sacramento da Misericórdia de Deus ao Homem.

Jesus, em suas atitudes e na sua forma de dialogar com Zaqueu, transmite a nós sacerdotes o quanto devemos ser e agir, para que o sacramento da confissão, o magnânimo sacramento da Misericórdia, seja vivido entre o sacerdote e o penitente

O encontro de Jesus com Zaqueu quase como um fato casual. Jesus entra em Jericó e atravessa a cidade acompanhado pela multidão (Lc 19, 3). Quanto a Zaqueu, sobe a árvore levado pela sua curiosidade. Às vezes os encontros de Deus com o homem revestem-se precisamente da aparência da casualidade. Mas nada é «casual» entre Deus e o Homem.

Na minha experiência em ministrar o sacramento da confissão, muitas vezes fico perplexo com o fato de que alguns fiéis chegam a confessar-se não sabendo bem sequer o que querem. Alguns tomam a decisão de ir confessar-se apenas porque sentem falta de ser ouvidos. Outros, pela necessidade de receber um conselho. Outros ainda, pela necessidade psicológica de libertarem-se do peso do «sentido de culpa».

Porém, muitos, para minha alegria, sentem autêntica carência de restabelecer uma relação com Deus.

Pois bem! Tal é o caso de Zaqueu. Se, num dado momento, não se tivesse verificado a «surpresa» do olhar de Cristo, ele teria ficado talvez um mudo expectador da sua passagem pelas estradas de Jericó. Jesus teria passado ao seu lado, não dentro da sua vida. Ele próprio não suspeitava que a curiosidade, que o levara a um gesto tão singular, era já fruto duma misericórdia que o precedia, atraía e, bem depressa, mudaria no íntimo do coração: «Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois tenho de ficar em tua casa” (Lc 19, 5).

Quando Jesus disse: «Tenho de ficar em tua casa». É uma proclamação. Antes de indicar uma decisão de Cristo, estas palavras proclamam a Vontade do Pai. Jesus apresenta-Se como alguém que tem um mandato concreto. Ele próprio tem uma «lei» que deve observar: a Vontade do Pai, que cumpre com tal amor que dela faz o seu «alimento» (Jo 4, 34). As Palavras com que Jesus Se dirige a Zaqueu não são apenas uma forma de estabelecer uma relação, mas o anúncio dum projeto traçado por Deus.

O encontro dá-se no âmbito da Palavra de Deus, que se identifica com a Palavra e o Rosto de Cristo. Isto mesmo constitui o início necessário de todo o encontro autêntico para a celebração da Penitência.

No sacramento da Confissão, nós sacerdotes somos instrumentos dum encontro sobrenatural com leis próprias, que devemos apenas respeitar e favorecer. Deverá ter sido, para Zaqueu, uma experiência impressionante ouvir chamar-se pelo seu nome. E ouve proferi-lo com uma ternura tal que exprime não só confiança, mas familiaridade e de algum modo urgência duma amizade. Sim, Jesus fala a Zaqueu como a um velho amigo, que talvez O esquecera, mas nem por isso Ele renunciara à sua fidelidade e, por conseguinte, entra com a doce pressão do afeto na vida e na casa do amigo reencontrado: «Desce depressa, pois tenho de ficar em tua casa» (Lc 19, 5).

Diz Jesus: «Tenho de ficar em tua casa» seguindo o mapa misterioso das estradas que o Pai Lhe indicou, Jesus encontrou no Seu Caminho também Zaqueu. Detém-Se na sua casa, como se tratasse dum encontro previsto desde o princípio. A casa deste pecador está para se tornar, um lugar de revelação, o cenário dum milagre da misericórdia. Certamente que isso não acontecerá, se Zaqueu não libertar o seu coração, não se arrepender profundamente de seus vícios e enganos.

O homem, por si mesmo, nada pode; e nada merece. A confissão, antes de ser um caminho do homem para Deus, é a chegada de Deus à casa do homem.

Amém! Aleluia!

Dom Farès Maakaroun

Arcebispo da Igreja Católica Apostólica Greco-Melquita no Brasil

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A verdade é dogmática, imutável e inexorável?

Estou ciente de que alguns dos textos postados neste blog têm intrigado bastante um ou outro leitor. Primeiramente, é importante que se diga que este é o objetivo deste blog: postar REFLEXÕES e PROVOCAÇÕES DO PENSAMENTO.

Como provocar o pensamento sem levantar questões contundentes e até mesmo incômodas, a partir da realidade instalada?

As consciências – ainda que relutem em admitir - estão instaladas na grande inércia coletiva da falsa “caridade”, pretendida com o “politicamente correto”. O desalojamento é o norte magnético destas provocações reflexivas:

“conhecereis a verdade, e ela vos libertará!” (Jo 8, 32)

O que estamos dizendo? Que dispomos da verdade e a transmitimos com inaudito acerto inquestionável e perfeita completude?

É óbvio que não. O simples fato de presumir isto já seria o primeiro passo para estabelecer limites à verdade que, não obstante seja absoluta em si mesma, não se acondiciona ou reduz pragmaticamente conforme o interesse ou conveniência de quem quer que seja. E isto, sobretudo, se aplica às nossas provocações reflexivas.

Todavia, o fato de que a verdade não pode ser apropriada indebitamente dela mesma, na tentativa de se compreendê-la e ou transmiti-la, não subtrai dela a contundência que lhe é própria e a imutabilidade que constitui sua natureza intrínseca.

Partamos de alguns exemplos práticos disto que estamos dizendo – mesmo que já tenhamos citado um ou outro nestas provocações ou noutros textos não postados aqui neste espaço - em concordância com um postulado fundamental sobre a verdade. Faremos isto a partir da afirmação peremptória do primeiro Grande Doutor da Igreja, que afirmava existirem os dogmas imutáveis da verdade! (Santo Ireneu de Lyon).

A verdade é, pois, dogmática? É imutável? Ou, como pretende o modelo mental relativista dos últimos cinco séculos, provar por “a” + “b” - como se fosse igual à “c” - que a verdade não é absoluta em si mesma?

Lembremos antes a tudo que dogma aqui não se refere às Verdades da Fé, mas, ao conceito filosófico de estabilidade perene de uma evidência. Mesmo assim, não perderemos a oportunidade de lembrar que tamanho é o impacto do paradigma relativista instalado que, não é incomum, no campo da teologia, ouvir teóricos – inclusive católicos – admitirem sem rubor que os Dogmas da Fé também possuem sua relatividade “epocal”, e estariam sujeitos à força superior da hermenêutica (interpretação do texto segundo contexto), que os circunscrevem relativamente à visão de uma determinada época, reduzindo-os em suas perenidades.

Mas, como disse, os Dogmas da Fé não são o objeto desta PROVOCAÇÃO REFLEXIVA. Só fizemos alusão ao fato para que não se perca a excelente oportunidade de fazer o devido registro, de como a perfídia do relativismo corrói os porões mais sólidos do senso comum, no tocante à imutabilidade da verdade.

Voltemos, então, à imutabilidade dogmática da verdade...

A verdade pode ser mutável? Se ela é imutável, tal imutabilidade não estaria relativa ao(s) parâmetro(s) da percepção e/ou limites do entendimento? E se ela está relativa às certas circunscrições da lógica investigativa, isto não a torna, portanto, certa maneira relativa também?

Tentaremos provocar o raciocínio na direção destas questões, como também elas hão de servir para produzir novas questões pertinentes ao tema, visto que: se, por um lado, a verdade não se pulveriza em fragmentos contraditórios, por outro, ela não se cristaliza numa percepção obtusamente particular, devido aos paradoxos que a fazem transcender às nossas percepções.

Consideremos um primeiro caso como parâmetro prático de reflexão, apresentando a seguinte seqüência de questões:

Ao findar o dia o que acontecerá - para nós que estamos no ocidente - com o sol? É possível que ele permaneça imóvel no céu impedindo que a noite abrace todo o oeste a partir da Europa? E depois de completado este fato inevitável e recorrente (o ciclo solar é assim desde o princípio da terra), é possível que após o sol ter partido do nosso horizonte, ele não retorne ao raiar de um novo dia, após completar o repetido ciclo?

Mesmo que alguém odeie o ambiente luminoso do dia ou, tendo hábitos notívagos, prefira apaixonadamente a noite, poderá haver esperança de que algum dia esta mecânica não aconteça, regozijando-se só com o dia ou só com a noite, conforme a preferência?

Ora, não é necessário ser cientista ou crente para afirmar, sem absolutamente nenhuma chance de errar, que não!

Enquanto o sistema solar existir tal como existe, quando no ocidente brilhar o sol diurno, no oriente a penumbra noturna reinará e vice-e-versa. Esta é uma verdade imutável para a humanidade. Tão dogmaticamente imutável que, se caso as forças cósmicas alterarem este padrão perpétuo de funcionamento, sucumbindo a relação intrínseca dos corpos celestes no sistema solar, o que aconteceria?

A terra, por exemplo, deixando de girar em torno do próprio eixo, viria a comprometer todo ciclo da vida e, conseqüentemente, o planeta morreria. Resultado: não apenas a nossa percepção desta verdade imutável iria ser transcendida, mas, na inexistência de vida humana racional, toda lógica compreensiva da verdade igualmente deixaria de existir.

De modo que nem o fato absoluto da verdade, nem a sua percepção relativa, existiriam mais ao passo que os astros remanescentes seguiriam nova ordem igualmente lógica e igualmente imutável, dentro de rigorosos parâmetros também imutáveis dentro do novo ordenamento.

De resto, caso alguém queira se valer desta constatação para “provar” que tal imutabilidade neste caso foi rompida pelo novo paradigma, um lembrete: a imutabilidade é legal. Mas o que isto significa? Que ela segue leis, igualmente imutáveis dentro daquele conjunto ordenadamente matemático. Fora disto, já não é mais isto, é aquilo... Ou seja: enquanto é isto, é somente isto. Enquanto é aquilo, é somente aquilo...

Cada coisa é o que é – e não deixa de ser enquanto é – devido ao que é enquanto pode ser. Deixando de ser o que é, já não pode ser nem não ser, visto que já não é.

Logo, dentro dos limites legais do tempo e do espaço, tudo está sujeito a esta condição do universo. E não há exceção mesmo no âmago quântico das partículas cósmicas.

Ora, se esta é uma lei inexorável em todas e quaisquer galáxias e universos físicos (caso sejam mais múltiplos do que se imagina), então, mesmo dentro dos limites do tempo e do espaço, acabamos de identificar uma realidade absolutamente imutável... pelo menos enquanto o mundo natural existir, não é mesmo?!

Este é tão somente um exemplo demonstrativo da lógica inerente ao dogmatismo imutável da verdade, inexorável em si mesma.

Claro que este exemplo - entre tantos inúmeros que se poderiam citar - dentro do paradigma da naturalidade, possui também certa “mobilidade” rigorosamente sujeitas à imutabilidade das variáveis tempo/espaço.

Visto que tudo na natureza criada está sujeito à outro tipo de inexorabilidade - que são estes referenciais perfeitamente lógicos segundo as variáveis tempo/espaço - então, não estamos considerando, aqui, o argumento metafísico referentes aos mundos Sobrenaturais e preternaturais, segundo a teologia. Nem estamos considerando a metafísica no âmbito estrito da filosofia. Nosso postulado para tanger a verdade é muito mais modesto. Circunscreve-se à naturalidade, em suas evidências lógicas e não especulativas, mas, observáveis e demonstráveis.

Contudo, não obstante a evidência palpável do raciocínio lógico, não faltará nunca - hoje ou no futuro, como jamais faltou no passado - quem colocará em relevo, antes à patente evidência da realidade (como ela é em si mesma), um conjunto de hermenêuticas que a deformam para que seja compreendida como se quer.

Esse é o princípio que perpetua a antinomia à verdade: as hermenêuticas devedoras dos modelos mentais. Hoje, mais que em outras épocas, a forma mentis é o princípio causal da fragmentação contraditória entre tantas visões do mundo e do homem que pretendem se unir holisticamente.

Princípio estranho este. Causa-se o esfacelamento da verdade distorcendo-a num conjunto antilógico de raciocínios paralelos e intangíveis e, depois, se pretende fazer uma “colcha” com os retalhos de um conhecimento acumulado por teorias fundamentadas no cientificismo de teorias igualmente fragmentadas, contraditórias umas em relação às outras e antônimas, todas, à verdade enquanto tal.

Não é a primeira vez - e certamente não será a última - que, em nossas reflexões, faremos ecoar, por exemplo, no campo do conhecimento do homem sobre ele mesmo, a inominável falta de fundamento ontológico das mais variadas antropologias atuais.

Neste campo da antropologia temos um exemplo estupendo de um dogma imutável da verdade: o homem, desde seu primeiro momento como ente na fase celular do zigoto, jamais saltará “evolutivamente” para outra coisa que não humana. Isto é, jamais um zigoto humano poderá “evoluir/involuir” para outra natureza distinta da sua, seja ela animal, vegetal ou mineral.

Sem rodeios: a semente humana no ventre da mãe jamais virará abóbora ou outra coisa qualquer. E se alguém considera que isto, por mais evidente que seja não é um exemplo incontestável de dogma imutável da verdade, o que dizer?

Mas há quem conteste, mesmo assim, a imutabilidade da verdade. Tal é o paradigma relativista de nossa época, sobre o qual estão fundadas as multiplicidades teóricas do entendimento que o homem tem de si mesmo e do mundo que o cerca.

Resta saber o que o espírito humano, tão distinto por sua natureza sui generis, numa alucinação metafísica da reencarnação, iria fazer numa semente de abóbora ou num corpo de barata?

É o fenômeno da insensatez que varre o globo montado na vassoura - da quase bruxaria - do pseudo cientificismo. Fenômeno este que crê, fervorosamente, que os movimentos das partículas da matéria se desorganizam e se reorganizam para além dos inatingíveis limites impostos pela própria verdade. Assim, neste século se é um mendigo por retardamento mental e, noutro, um cientista brilhante e maluco. Valha-me Deus! E depois o que eu penso e digo é que é tido por inaceitável para muitos... só porque provoco a reflexão a partir de títulos propositalmente polêmicos...

Contra isto ninguém “põe a boca no trombone”, afinal, é preciso respeitar - sendo “politicamente correto” - a opinião alheia, mesmo que ela se oponha à verdade... só não a minha, mesmo que ela concorde com a verdade...

Logo, o homem moderno – e especialmente o pós moderno – é a maior vítima de si mesmo. Os critérios do seu autoconhecimento, especialmente na esteira do comportamentalismo extraído das ciências psicológicas, é a mais doída prova de que, com este ferramental, ele se adoece cada vez mais... e o pior: pensando curar-se.

Fazer o que né?! Cada doido com a sua mania...

Mas que a verdade está aí, atravessando os séculos, enquanto os pensadores que a contestam vão voltando ao pó um após o outro, isto é outro fato inexorável dos princípios imutáveis da verdade, não é mesmo?!

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

TODOS ESTÃO CERTOS... O ERRADO SOU EU!

Certamente você já ouviu a expressão “dia de cão!”.

A linguagem popular conserva expressões curiosamente significativas para expressar realidades experimentadas. Esta é uma delas. Muitas vezes ouvi dizer: “hoje eu tive um dia de cão!”...

A expressão é usada para fazer referência a um dia que foi - ou é - peculiarmente difícil, um dia “infernal”. Provavelmente essa expressão tem relação com a figura mitológica de Cérbero (Kérberus = demônio do poço, de Kroboro: comedor de carne),[1] o cão que, na mitologia, guarda a porta do inferno e que fora vencido por Hércules, na sua última prova, de número 12...

Com relação ao cão guardião do inferno, a mitologia grega coincide com outras mitologias, como a cabala vedas (hindu).

E a função principal de Cérbero não era impedir a entrada na região dos mortos, governada por Hades (deus do inferno segundo a mesma mitologia). Cérbero, o cão do inferno, tinha como ofício impedir a saída da região dos mortos.

Para acolher na entrada era afável e festivo. Para sair, era impossível enfrentar o monstro diabólico. Bem característico da imagem daquele que “ruge como leão para perder as almas”...

Conta ainda a lenda que sendo trazido à luz do dia pelo herói Hércules, o cão danado de três cabeças regurgitara uma espécie de gosma dando origem a certo veneno, visto que ficara incomodado com a luz do dia, já que seu habitat era pura trevas.

Alguns mitólogos mencionam que este personagem – o cão do inferno – talvez pudesse ter sido, antes, a serpente do Hades. Seja como for, o simbolismo mitológico encontra correspondência tanto nas citações bíblicas – não propriamente este personagem mitológico, mas sua correspondência nas figuras da serpente, do dragão e correlatos – como, também, no imaginário popular.

Na cultura popular hodierna goza de grande popularidade o cão do inferno, o que se verifica, em especial, na utilização de sua figura nos jogos eletrônicos e na literatura que serve à indústria cinematográfica (Harry Potter, Cavaleiros do Zodíaco, etc).

Seja como for, o imaginário coletivo, cultiva alguma coisa dessa emblemática e terrível figura guardiã do Hades: o cão! É assim que o povo, muitas vezes, personifica o mal.

O famoso amigo do homem, que na terra é símbolo de fidelidade, companheirismo, amizade e guarda da casa contra invasores indesejados, no inferno, é símbolo avesso: é o inimigo terrível que cativa para entrar na região dos mortos, mas, depois que o indivíduo cai no encanto do convite enganador, se transforma no odioso monstro que impede o homem de sair do lar dos mortos.

Muito significativa esta dupla e oposta carga simbólica dada pelo homem ao seu maior amigo/inimigo... o cão!

A questão é: se, já que não sou mitólogo e tampouco me interessa ficar narrando fatos mitológicos – não obstante seja recorrente que me valha da eficiência dos símbolos para exprimir minhas reflexões contundentes – então, qual a razão para considerar o antagonismo simbólico do cão?

Se pensarmos na expressão: “dia de cão”, veremos que ela significa dia difícil, infernal.

Logo, o “dia de cão”, na verdade é noite, é trevas. Exprime o pesadelo de quem está acordado, em pleno dia, no confronto com desafios infernais.

E o que isto tem que ver com o “cão” que impede a saída da região dos mortos no âmbito dos meus questionamentos?

Bem... aí é que está o sentido maior desta reflexão...

Olhando panoramicamente para o contexto desta época, na perspectiva de confronto com a verdade e com a realidade em si mesma, conforme tenho exprimido já em algumas dezenas de reflexões, então, se poderá perceber uma terrível sensibilidade analógica.

Se todos estão certos, na geração libertina do jeans, que garante as mais volupiosas marcas da sensualidade e da libido, como coisa absolutamente normal e aceitável, a ponto de ser critério de evangelização, então, eu, com meu habito monástico, estou redondamente enganado...

Especialmente por lutar contra a dominação interna que minha libido instintiva deseja também exercer sobre: minha sensibilidade psíquica (que me indica haver razões superiores para não agir como um mero animal); e sobre minha sensibilidade racional (que me indica haver razões para agir acima das paixões fúteis, daquele que pelos sentimentos mais nobres vence os meros instintos)...

Sendo assim, todos estão certos... o errado sou eu...

Neste sentido, até a “nova evangelização” que promove a “santidade de calças jeans” (com cursos de mergulho na afetividade e sexualidade) está certa diante do erro da “velha” Evangelização, que ensinava, outrora, quando eu sequer era nascido, que a verdadeira espiritualidade supunha a renúncia destas áreas da nossa dimensão existencial como prova de Amor a Deus... e de respeito às limitações do semelhante...

Se todos estão certos... e o errado sou eu – porque não posso presumir-me certo acima de todos sem correr o risco de ser presunçoso – então, minha consciência latejante vive no Hades e, na porta, o cão ladra diuturno contra minha sensibilidade, impedindo-me de sair para encontrar-me com a razão lógica...

Pois a lógica é outra, afinal...

A liberdade impera fazendo do livre-arbítrio um trono real para a libertinagem que reina.

E não se amalgamar a ela significa prender-se, deliberadamente, no Hades do moralismo, não é mesmo?!

Quem lê minhas lamentações com relação a este paradigma epocal pode concluir que estou desgarrado da inteireza do meu ser que inclui aptidões afetivas e sexuais. Ou julgar que evoco um puritanismo angelical, num ébrio fundamentalismo moralista e religioso, que, de qualquer forma, poderão indevidamente concluir, anti natural.

Enfim, podem dizer, pensar e concluir o que quiserem a meu respeito... já estou no Hades existencial mesmo... Cérbero tinha muitas cabeças. Talvez a predominância tricéfala seja para significar a “onipotência” de sua multiplicidade. Então, uma cabeça de cão a mais ou a menos latindo blasfêmias contra minha luta para fugir desse inferno de insensatez a la big brother, não vai fazer tanta diferença...

Mas a verdade é que minha natureza grita os mesmos apelos instintivos e sentimentais como a de qualquer ser humano. Agora, só por isto vou deixar-me guiar pela anarquia dos instintos? Ou vou permitir ser dirigido pelo desgoverno dos meus sentimentos? Ou consentir que ambos se manifestem - ou sejam tolerados - só para garantir os meus interesses temporais?

Se é para ser assim, qual a razão para que eu, como ser humano, tenha o uso da Razão?

Não deveria a Razão administrar com sensatez os impulsos animalescos dos meus instintos?

Não deveria a Razão educar sensatamente os arroubos de paixão, por vezes completamente incompatíveis com a lógica da própria ordem natural?

Para que temos essa bendita – ou Deus que há de me perdoar como bom descendente de italiano dizer: “maledita” razão – se o ordenamento dela é lei do cão para quem quer fazer imperar a sensibilidade instintiva ou psíquica?

Ou ela própria seria um “cão” ladrando sem parar para nos manter cativos nessa mega permissividade hodierna, onde, usar fio dental/topless, apresentar em horário nobre televisivo todo tipo de promiscuidade e perversão moral, ETC, PODE, mas usar hábito e lutar contra a força quase indomável (eu disse quase) da própria natureza... NÃO?!

Será possível isto? A razão que é compatível com a lógica natural ser a louca do corpo?

A imaginação, como dizia Santa Teresa D’Ávila, sim, é a “louca da casa”... mas a razão que educa a imaginação, não pode ser, uai...

Fato é: muitos irão se escandalizar com a nudez das minhas exposições, dizendo:

_ Nossa, quanta agressividade, amargura, isso, aquilo...

Curioso é que a nudez limpa – no sentido de racionalidade - da minha argumentação, esses tais não toleram, mas, a nudez imunda – no sentido de irracionalidade – da permissividade moral instalada, mais que toleram... acolhem com risadinhas cínicas... especialmente se isto pode prejudicar objetivos a serem alcançados nesta terra que tem um Príncipe, dono de um certo um cão...

Ora...

Resta-me dizer o que?

Todos estão certos... o errado sou eu!

Por que razão me tornei monge católico seguindo a Tradição do Oriente Cristão, procurando imitar o exemplo, segundo as medidas das minhas possibilidades, os Padres do Deserto?

Porque, já que todos estão certos e o errado sou eu, então, só resta-me repetir sem cessar:

Senhor Jesus Cristo, Filho Único de Deus Pai, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, perdoai-me pecador e tende piedade!... porque todos estão certos... e o errado sou eu!

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN