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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


* "PROVOCAÇÕES" MAIS ACESSADAS (clique no título):

*1º Lugar: Arquidiocese de Juiz de Fora reconhece avanço da Obra do Pater Noster...

*2º Lugar: Lealdade, caráter e honestidade... no fosso de uma piada!

*3º Lugar: Fariseu ou publicano, quem sou?

*4º Lugar: Retrospectivas e balanços de fim de ano...

*5º Lugar: “A sociedade em que vivemos”: um big brother da realidade...

* "PROVOCAÇÕES" SUGERIDAS:

*Em queda livre na escuridão...

*Somos todos hipócritas... em níveis diferentes, mas, hipócritas!

*Vocação, resposta, seguimento...

*O lugar da auto piedade...

*A natureza íntima da corrupção...

sábado, 16 de outubro de 2010

O HOMEM INDIGNO!

Há no mundo mais de 6 bilhões de pessoas. Cada uma é diferente da outra e todas têm identidades distintas... Mas, há dois tipos universais de caráter de base, diametralmente distintos e opostos um ao outro, a partir dos quais o caráter individual desenvolve sua conformação particular.

Ambos se estabelecem a partir de um movimento interno. É o movimento das escolhas que são feitas lá no íntimo de cada qual diante dos desafios e dramas da realidade. Há, portanto, dois mecanismos internos que fazem desdobrar toda sequência de comportamentos individuais e coletivos, a saber: a revolta e a resignação.

Em outro texto falaremos mais amiúde destes mecanismos. Aqui, nos limitaremos a contar um “causo”... Quem for capaz de compreendê-los, que os compreenda...

Conta-se que havia um religioso, um homem que procurou consagrar sua vida a Deus, mas, que diante deste desafio e desta severa responsabilidade, se sentia fraco, pequeno, pecador e, sobretudo, incapaz de ser fiel ao Divino Criador, especialmente neste egrégio propósito. Este era seu sentimento honesto: Senhor, sou incapaz de segui-Lo, incapaz de imitá-Lo, por que me escolhestes? Por que me chamastes?... Não conseguirei perseverar, não conseguirei ser fiel... Eu vacilarei... É certo que vacilarei!”...

Os dias se passavam, somando anos consecutivos de angústia e dúvida na sua vida consagrada e, para piorar os sentimentos de fracasso e de infidelidade desse homem, pesava-lhe uma enorme responsabilidade religiosa, que era maior que sua pouca capacidade de resposta...

Vivia, o infeliz, esmagado pelo sentimento de infidelidade e culpa e, por causa do peso dessa responsabilidade tão superior às suas qualidades pessoais, arrastava sua vocação como um moribundo espiritual...

Na vida comum era relapso e tornavam-se evidentes a incapacidade para desenvolver bem e com disciplina os ofícios e responsabilidades que lhe pesavam por demais, por conta da responsabilidade que o transcendia, esmagando-o, por enxergá-la no seu conjunto ser muito maior que podia suportar...

Com isso, acabava deixando as conseqüências dessa sua limitação pesar sobre os ombros daqueles que deveria cuidar... E isto, para a consciência do infeliz homem, era uma sobrecarga adicional... Culpava-se por envolver a todos na sua fragilidade e sentia-se cada vez mais fraco e impotente...

O nada e o pó eram suas certezas íntimas mais francas!

Na vida de oração comunitária era igualmente inconsistente... Ocupava suas horas meditando, sem parar, sobre sua incapacidade de dividir com justiça as tarefas comuns e a disciplina regular... Ou desperdiçava os demais momentos distraindo-se com coisas fúteis como leituras sem importância, programas vazios e ócio divagante, fazendo, com isso, pesar o fardo dos demais membros da comunidade...

E esta aparente tibieza espiritual era sempre justificada por ele: “estou rezando com a vida, suportando o que tenho de suportar, a começar por mim mesmo, que sou ainda pior do que todos podem ver e julgar...”

Muitos conviveram com este homem ao longo dos anos... A grande maioria dos consagrados procurava demonstrar a que vieram na vida religiosa... Desejavam ardentemente cumprir o compromisso da prática das virtudes na vida fraterna, na vida espiritual e na vida de oração...

E desejavam-no com ardente sinceridade! Apaixonadamente...

E isso fazia aquele pobre homem sofrer ainda mais, afogando-se em confusão interior: “Senhor, vede como eu não tenho aptidão nenhuma para a vida consagrada, não tenho a vontade nem o entusiasmo para a santidade - como as têm - todos estes que chegam cheios de belos e nobres ideais com a vida de virtudes...”

Somava-se ao violento julgamento íntimo realizado por sua própria consciência contra si mesmo, o julgamento de todos os demais... Uns pensavam: “por que fulano não faz isso?”... Outros questionavam interiormente: “isto devia ser feito por fulano”... Alguns poucos chegavam a murmurar pensando a respeito do infeliz: “não acho isso certo, não concordo com isso...”... Quase todos o condenavam interiormente: “por que ele não faz assim ou assado? Aqui não é como eu esperava... a realidade é tão diferente da vida dos santos...”.

E o homem indigno, que era o primeiro a julgar a si mesmo, sabia interiormente como era julgado por todos os demais, com exceção das raras pessoas que ao invés de penalizá-lo ainda mais, acabavam por compadecer-se da dolorosa angústia daquele ser auto consciente de sua condição de fracassado!

Sem, contudo, julgar a ninguém que o julgava, ele sofria... E sofria ainda mais... E mais impotente se sentia... E menos ainda conseguia reagir a este estado de indolência interior...

Os dias, os meses, os anos passavam... E as pessoas que tinham grandes sonhos de vida consagrada, os que viviam em “êxtases” irreais com o ideal da vida religiosa, também eles passavam...

Essa maioria que vivia cheia de entusiasmo teórico e emocional com a prática das virtudes, com o odor da santidade, com o exemplo da vida orante, com a aparência da vida espiritual, etc, não perseverava na vida consagrada!

Essa maioria consumia, inutilmente, seu tempo de reflexão manchando a própria consciência ao idealizar - imaginariamente - uma vida religiosa perfeita para compará-la – sem nela perseverar - com o comportamento aparentemente impróprio daquele homem fraco e sem virtudes...

Em geral - e infelizmente! - todos estes prontos algozes da vida alheia e péssimos juízes da própria vida, acabavam deixando a vida religiosa...

Essas vocações cheias de boa intenção e apaixonadas ideologicamente pelo esplendor e beleza da vida consagrada, esgotavam todo o encanto sem jamais completar o caminho espiritual iniciado um dia – ou várias vezes – na vida religiosa. Abandonavam com facilidade todo aquele ideal diante da concretude exigente da realidade cotidiana.

Isto acontecia porque passavam a maior parte do tempo ocupando seus pensamentos com duas coisas incompatíveis com uma espiritualidade autêntica:

- primeira: por idealizarem uma vida de santidade fora da realidade e repleta de sonhos de “extraordinariedade” não encarnada na própria história, a qual muitas vezes é um amontoado de fatos comuns e ordinários, sem grande sentido ou significado;

- segunda: por ocuparem a mente comparando seus ideais fantasiosos e desencarnados de vida de santidade com o comportamento alheio, principalmente, com o comportamento daquele homem infeliz, já humilhado pela própria fraqueza, consumido pelo sentimento íntimo de que era - para si mesmo e para todos - verdadeiro opróbrio...

O tempo continuava a correr... E foram muitos os que entraram e saíram daquela comunidade em que vivia o pobre homem indigno...

Eles vinham de outras experiências e partiam para outras experiências, em outras comunidades. Quando não, sepultavam de vez o antigo ideal sob o pretexto de que não tinham vocação, ignorando com isto o Chamado de Deus ou alegando que não conseguiam encontrar em nenhum lugar as condições ideais para realizar seu grande sonho de santidade, como se o problema da incapacidade de resposta estivesse fora deles...

A nenhum destes, contudo, o homem indigno condenava. Ao contrário, apiedava-se de todos. Compadecia-se e penalizava-se: “como pode isto? Pobrezinhos, demonstram ter todo encanto que não possuo e mesmo assim não conseguem realizar seus sonhos? E eu, sem nenhum encanto ou gosto, não posso me dar ao luxo de abandonar esta vida que não escolhi, para compensar minha completa falta de ideal de santidade e patente incapacidade de praticar virtudes...”

A triste constatação que disto se podia extrair sofrivelmente com clareza inequívoca, em razão da falta de perseverança comum a todos estes que tinham grande encanto com o ideal da vida religiosa, é que estes amantes da perfeição estavam sempre em busca de realizar em algum lugar aquilo que não eram capazes de realizar dentro de si...

Mas aquele homem indigno permanecia chafurdado no seu sofrimento e no seu drama íntimo sem, contudo, perder a paz interior: “Senhor, por que estes todos que tanto desejam servi-Lo e tanto sonham com uma virtuosa vida consagrada, cheia de zelo e paixão, deixam a Sua Casa? E Eu, que sou tão infiel, tíbio, pecador, incapaz e, mesmo sem desejá-la com ardor, continuo nela sem mérito algum? Por que me confundes assim, Senhor?”... “Perdoai-me pecador, tende piedade de mim!”...

Este homem indigno não ocupava seu pensamento condenando o comportamento alheio dos demais consagrados de sua comunidade. Não lançava contra qualquer outro aquilo que acreditava ser, ele próprio, o primeiro capaz de realizar como pecado. Antes, era contra si mesmo que estabelecia severos juízos...

Costumava pensar: minha consciência deve ser um carrasco para comigo mesmo, punindo-me sem tréguas pela inconsistência de meus impulsos e desejos, mas, para todos os outros, ela deve ser um lago de misericórdia”.

Apesar de saber que era medido pela avaliação de todo mundo e que todos o julgavam avidamente, questionando seu comportamento e sua atitude, ele acusava-se cada vez mais, tentando inocentar a todos, afinal, todos tinham ao menos o que ele não tinha: impulsos e desejos de santidade...

Compadecia-se com honestidade pelo falta de perseverança daqueles que acabavam abandonando a vida consagrada, mesmo sabendo que estes o condenavam silenciosamente, avaliando sua conduta religiosa de poucas qualidades e nenhuma virtude...

O homem que se autodenominava infiel e indigno admirava muito a disposição da alma e o sonho de santidade daqueles que consideravam a rotina religiosa dele pouco fervorosa e sem mérito espiritual... Coisa que ele próprio era o primeiro a admitir em si mesmo...

Sua admiração não migrava para a perfídia da inveja e dos ciúmes, afinal, na sua consciência de impotência interior, estava resoluto de que estes sentimentos fariam dele um verdadeiro monstro, incapaz de conservar honesto bem querer a todos os outros.

Embora esse homem fosse fechado e distante, por causa da culpa interior que carregava, era extremamente sensível e amava profundamente a alma daqueles que viam com facilidade a tibieza de sua própria vida consagrada...

A força da culpa na consciência deste homem, que estava ciente de sua indisciplina e indignidade, era tão grande que só lhe sobravam duas alternativas: revoltar-se contra tudo, contra todos, contra si mesmo e contra Deus, que o deixavam necessariamente abandonado à própria sorte neste oceano de trevas; ou perdoar tudo, todos e a si mesmo, aceitando com humildade a Misericórdia Divina por sua incapacidade de apaixonar-se pela vida e pelas coisas mais elevadas...

Sendo ele livre e podendo optar por uma das duas alternativas anteriores - revolta ou resignação - o homem indigno, não por força de seu próprio mérito, mas, ciente do auxílio prestado pela Graça de Deus, devolvia-se permanentemente ao pó de sua insignificância existencial, para acolher com responsabilidade o mistério de sua própria vida.

Repetia com freqüência: “vivo neste mundo apenas por sentido de responsabilidade, por saber que a vida que chamo de minha não me pertence. Eu apenas a administro, mal e porcamente, é verdade. Sou tão somente um incompetente gestor de um Dom que não me pertence. A vida pertence a quem a me concedeu. Não a meus pais, que simplesmente a transmitiram sem possuí-la também. Nem àqueles todos que os precederam, mas, a vida, que remonta a uma origem comum da espécie humana, pertence Àquele que a concedeu.”

Apesar de imerso na intensidade da angustia existencial, o homem indigno parecia possuir uma paz diferente. Eis, pois, a fonte de sua paz interior e o segredo de sua perseverança na vocação à vida consagrada a Deus (seguramente imerecida por sua parte e contestada pela parte de tantos):

- a capacidade de oferecer perdão por força da contingência e da necessidade de alcançar misericórdia e não por mérito, virtude ou qualidade pessoal;

- A compreensão exercida com generosidade não por julgar-se capaz de ser um vencedor heróico do próprio pecado, mas, bem ao contrário, por compreender-se tão vítima de suas fraquezas quanto qualquer outro, senão, mais que qualquer outro;

- O reconhecimento sincero de sucumbir nas falhas como pecador e não a presunção velada de se pretender santo;

- Maior prontidão para oferecer a misericórdia e a justiça a outros que para exigi-las em favor de si;

- A noção exata de que o verdadeiro amor é uma expressa renúncia ao próprio sentimento, crucificando as vontades pessoais no madeiro da vida insossa e ordinária do cotidiano. Este é o amor de quem se compreendendo incapaz de ensinar esta virtude, mas consciente de ser um eterno aprendiz d’Aquele Único capaz de amar com tamanha perfeição ao suplicar (do alto da máxima experiência do abandono e desprezo alheio): “Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem”;

Moral da história: quem pode ser chamado de fiel?

Aquele que começa o seguimento de Cristo com o esmero e as disposições de um santo e abandona a cruz – ou troca por outra - na primeira esquina da dificuldade?

Ou aquele que começa o seguimento seguro de sua incapacidade de realizá-lo e, embora certo de sua falta de virtude e mérito, vai diminuindo a si mesmo a cada curva de suas misérias interiores, até que no final sobre só o fio de uma única certeza: a de que nada fez para vencer o desafio, tendo sido conduzido pela Graça até o fim, por não crer-se capaz jamais de realizar aquilo que nunca poderia chegar a alcançar por força própria?

O homem indigno, ciente de sua condição lastimável, é, para si: um promotor implacável, um réu que não advoga a própria defesa; um juiz que não sentencia contra si mesmo para além ou aquém da Lei Divina e que não condena a própria causa com uma pena de última instância, coisa que é da competência só da Magistratura Divina; e, por fim, é para todos os demais, um júri atento, sem prejulgamentos, alguém que enxerga na absolvição uma oportunidade de recomeço e na pena aplicada - com dor e sem sentimento de vingança - um remédio necessário para o bem da alma.

Por esta razão costuma-se dizer que era idéia fixa do homem indigno: “a penitência e mortificação mais honesta e perfeita têm origem na aceitação resignada das contrariedades cotidianas. Nelas, não há a menor possibilidade de existir o orgulho espiritual, que provém da ambição de viver sem pecar. A santidade, não é ausência de pecado, é estado permanente de compungir-se por não conseguir fazer da melhor maneira o que deveria ser feito e ter facilidade para fazer da pior maneira aquilo que não deveria ser feito!”.

Conclusão. Uma coisa é certa... Este tal homem indigno - do “causo” acima - pode não possuir dignidade nenhuma, como ele próprio vaticina sem escrúpulos contra si mesmo, mas, uma coisa é incontestável: na franqueza crua como rasga a sua consciência, ele vai atravessando os desafios de sua vocação e perseverando em meio aos escombros da própria existência, enquanto os demais vão pulando de galho em galho, culpando a Deus e o mundo – ou condenando a si mesmos em última instância sem autoridade legítima para isto – pelo fato de não conseguirem amar menos a si próprios para amar mais a Deus e ao próximo.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

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