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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


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sábado, 13 de novembro de 2010

(Parte II) O reinocentrismo atual na esteira do “espírito revoltoso”...

O mecanismo interno do “espírito revoltoso”: a contradição!

Martinho Lutero, ícone da reforma protestante, teólogo renomado de Wittemberg, dirigiu aos Príncipes da Saxônia, em 1524, uma missiva contra o que chamou de “espírito revoltoso”.

Nesta carta, Thomas Müntzer, considerado grande pregador de Allstedt, influenciado pelas idéias de Lutero inicia seu próprio movimento de protesto contra a Única Igreja Fundada por Jesus Cristo: a Católica. Como Müntzer não se curva às admoestações de Lutero, é acusado de ser a proeminente liderança desses “espíritos revoltosos”.

Como já abordamos em outros artigos, a diferença entre paradoxo e contradição realiza, necessariamente, uma antinomia de sentimentos na estrutura do pensamento.

Que isso quer dizer?

Todas as vezes que olhamos para um fato, uma situação, uma idéia, enfim, qualquer coisa que nos faça emitir um juízo crítico – no sentido de opinião – a respeito daquilo que estamos avaliando, então, nossas considerações jamais serão neutras e imparciais.

Dentre muitas outras razões, que aqui não compete tratar, duas são elementares para demonstrar o que acabamos de afirmar.

A primeira: tudo aquilo que julgamos criticamente – sempre no sentido de opinar – nos afeta, causando motivações interiores. Por maior que seja nosso esforço ético e moral de manter imparcialidade sobre a questão analisada, somos afetados pelos conteúdos que abordamos. Em outras palavras: não existe imparcialidade pura.

É verdade que nosso esforço de ser ético e moralmente correto, nos permite construir uma opinião que não indique, necessariamente, as implicações que aquela realidade perscrutada por nós realizou em nossa interioridade.

Apesar disto ser possível, é fato irrecusável que, no mínimo, o discurso sobre o que analisamos, estará impregnado de nosso esforço de não demonstrar como nos afetou aquilo que julgamos.

E, sendo assim, as entrelinhas semânticas da nossa expressão estarão povoadas por nossos afetos, ainda que não revelados objetivamente pelo nosso discurso.

A segunda razão que nos permite afirmar que nossas considerações sobre qualquer coisa jamais são puramente neutras e imparciais, é dada pelo modelo mental com o qual analisamos o que está em questão.

Se o modelo mental é paradoxal, tende-se a interpretar as diferenças de modo conciliatório. Quem vê como paradoxo as diferenças entre as realidades, aceita as contundências e contingências com espírito de resignação.

Se, ao contrário, o modelo mental é contraditório, o raciocínio fica impelido a interpretar todas as coisas acentuando as diferenças e explorando a contradição entre elas. Neste caso, o espírito que subjaz a este modelo, inversamente à resignação, é o da revolta.

Fizemos este preâmbulo com o objetivo de tornar possível a análise da famosa carta de Lutero aos Príncipes da Saxônia, considerando este modelo mental comum a todos os reformadores. Não obstante, devam-se levar em conta as diferenças ideológicas existentes entre os líderes do movimento protestante.

A carta de Lutero aos Príncipes da Saxônia

No contexto do berço da reforma, o autor da supracitada carta - e pioneiro do protestantismo - esbarrou numa das conseqüências dolorosas do livre exame, que ele próprio denominou “espírito revoltoso”.

O núcleo da reforma protestante, com todos os desdobramentos do livre exame das Sagradas Escrituras, é: cada mente, de acordo com a afetação que lhe produz o contexto em que vive e os interesses de aceitação ou rejeição que a abarcam, desenvolve sua própria interpretação das Escrituras.

No livre exame não existe um fio comum que promova uma interpretação universal e correta do texto Bíblico.

Elementos fundamentais como: um Magistério ininterrupto e não contraditório ao longo da história, a unidade hierárquica, bem como a coerência histórica de uma Tradição inteira precedente, não servem como parâmetros para a presunção de “espíritos revoltosos”.

À época, Lutero se articulou com prontidão para impedir que os seus protestos - contra o Papa da Igreja e os seus aliados do poder secular (o que inclui o Rei de Alemanha) - fossem considerados responsáveis pelos focos revolucionários belicosos, iniciados, sim, pelo fervor de sua oposição ao catolicismo.

Lutero se valeu do radicalismo extremo dos discursos de Thomas Müntzer, vendo nisto uma saída para apontar um “bode-expiatório” que disfarçasse a dinâmica terrivelmente divisora de suas 95 teses.

Foram essas 95 teses luteranas, baseadas no livre e contraditório exame da Bíblia, que rachara não apenas a unidade dos cristãos, mas, começara a picar em milhares de partes desconexas o que hoje constitui o maior fenômeno religioso de todos os tempos: especialmente no Brasil, a cada botequim que fecha, é uma seita cristã que abre... e o pai de todas elas há que se dizer, doa a quem doer: é Lutero!

São João, Autor do Apocalipse (Livro da Revelação) ensina que o “espírito da divisão” é o espírito do anticristo.

Isto não é de pouca monta...

O Cisma entre o Ocidente e o Oriente ocorrido no ano de 1054 não dividiu a Igreja, porquanto a Fé professada seguiu possuindo os mesmos elementos basilares, a saber: Doutrina Fundamental, Sacramentos, Hierarquia com ininterrupta sucessão Apostólica, Sacerdócio Ordenado, reconhecimento de que foi escolha de Deus fazer encarnar o Verbo Eterno no Ventre Santíssimo da Virgem Maria, etc.

Enfim, o Cisma realizou o afastamento entre as Tradições do Ocidente e do Oriente no modo como administrar estes dons e todos os demais que são de Instituição Divina, mas, não dividiu a Igreja no sentido próprio e essencial do termo.

A Igreja, apesar da dor do Cisma, prosseguiu sendo Una em sua essência, não obstante, diversa nas duas formas tradicionais, embora, infelizmente, tendo uma de suas Grande Tradições afastada do Sucessor de Pedro.

Já o movimento começado na Alemanha por Lutero, pouco mais de quatro séculos após o Cisma entre o Ocidente e o Oriente, dividiu, separou, fragmentou, na prática - como se pode notar que continua a fazer - esfacelando a comunidade cristã.

O movimento da reforma causou – e continua a causar - divisão não apenas das comunidades, mas o esfacelamento da própria fé do cristianismo no ocidente, transformando o que é Sagrado num amontoado de casuísmo interesseiro, fenômeno que não aconteceu com o Cisma entre Ocidente e Oriente.

A reforma protestante contém em si o “espírito da divisão” (semelhante a indicação do Autor do Apocalipse) porque realiza o retalhamento da doutrina de acordo com a conveniência de qualquer um que se disponha a colocar uma capa de cordeiro no ombro, para cobrar dízimo fazendo pose de pastor de vitrine.

Este movimento reformador estripou o princípio da unidade Evangélica e moeu a realidade dos Sacramentos Divinos.

Enfim, devolveu ao pó a Verdade sobre Cristo e esparramou o resultado desta pulverização numa tempestade de areia por todos os rincões da terra, fazendo o homem moderno vagar num deserto existencial que vai do frio alucinante das noites escuras do transcendentalismo (fruto das teologias da prosperidade) aos dias causticantes e terrivelmente áridos do imanentismo (fruto das teologias da libertação).

E há quem acredite que vai dar para remendar ecumenicamente esta colcha de retalhos apodrecidos, apesar do Evangelho garantir que não se coloca remendo “novo” em pano “velho”...

E há quem tendo olhos insiste em não ver. Tendo ouvidos insiste em não ouvir. Tendo o coração endurecido pelo compromisso com o farisaísmo do “politicamente correto”, insiste em não compreender que o “espírito do anticristo” é o “espírito da divisão”...

E tudo começou lá, no século XV, com o latido de um pastor alemão... que dispersou as ovelhas... que mordeu o Calcanhar do Pastor... que contraiu hidrofobia espiritual e fez sua baba raivosa e desobediente adoecer metade da Europa de seu tempo, até que em nossos dias a outra metade esmorecesse na Verdadeira Fé...

A teologia dessas 95 teses luteranas impôs-se como um levante insurgente, próprio dos “espíritos revoltosos”, contra a unidade da Fé.

Foi um protesto altivo, cheio de empáfia e encharcado no “espírito da desobediência” – não belicoso como o de Müntzer, mas igualmente “revoltoso” - contra a Igreja e contra a ordem constituída pela sucessão ininterrupta de bispos unidos ao Sucessor de Pedro, desde o tempo Apostólico.

Mergulhando nas linhas da carta, poderemos extrair - das entrelinhas de Lutero - o mesmo “espírito revoltoso” que ele enxergou no posicionamento de Müntzer. Só que, claro, camuflado pela falácia pacificadora que reivindicava uma nova ordem mundial, desde que esta nova ordem rejeitasse a autoridade papal para se submeter tão somente aos postulados de suas 95 teses.

Nenhum princípio que evoca a legitimidade da autonomia dos processos se levanta contra uma determinada ordem instituída sem exigir, em contrapartida, o controle absoluto da nova ordem emergente, via de regra, ao preço de cabeças colocadas à prêmio. A nova esquerda latino americana que o diga, não é mesmo?!... Será que eu posso dizer democraticamente isto sem ser sancionado? Veremos até quando...

Mas, deixemos de lado os veneradores seculares do Lutero canonizado por Hollywood e voltemos ao próprio alemão revoltado, naquele contexto, com aqueles que levaram em conta o movimento que ele começara...

Se o radicalismo dos argumentos de Müntzer permitiu Lutero deduzir que o ex colega de teologia intentava realizar um projeto revolucionário e sanguinário, então, da manobra política de Lutero, bem como de sua insubordinação e auto suficiência teórica, poderemos perceber o mesmo “espírito revoltoso”, a sustentar um projeto teológico reacionário e pretensamente pacificador (visto que a própria carta incita os príncipes a fazer uso da espada para conter os ânimos dos que se deixaram convencer pelas suas próprias idéias de protesto e revolta contra a Igreja).

Esta pretensão de conciliação e concórdia de Lutero se verifica falsa quando, na mesma carta, Lutero admoesta que os Príncipes deveriam agir rápido e esmagar a revolta do povo sob a influência de Müntzer.

Foi um banho de sangue em que dezenas de milhares de pessoas foram mortas por causa da vaidade de um reformador de araque.

É duro dizer, mas, hoje, uma vez mais, a grande maioria católica se deixa influenciar pelo mesmo “espírito revoltoso”. O que não faltam são Boff’s e Beto’s para substituir Lutero... E nem Che’s, Fidel’s, Chaves e... companhia ltda... para fazer as vezes de Müntzer...

Opa... voltemos de novo à época em que tudo começou...

A carta de Lutero aos Príncepes da Saxônia apresenta uma introdução que ajuda a contextualizar a situação.

Entre os aspectos introduzidos na carta, destaca-se a tensão interna ao movimento da reforma que chegou - nas palavras de Lutero - “em certos momentos a antagonismos insuperáveis”.[1] Também aborda, nesta introdução, a franca oposição ideológica entre ele (Lutero) e um pregador influente da “pequena cidade de Allstedt” (Müntzer).

A denúncia de Lutero não fôra dirigida exclusivamente contra este expoente de Allstedt, mas, se entendia de modo generalizado a todos aqueles imbuídos do “espírito revoltoso”.[2] Todavia, ao longo do texto, fica clara a existência de uma polêmica especial entre Lutero e Müntzer.

Em 1523, Lutero fez tentativas para aproximar-se de Müntzer através de amigos. Tal iniciativa, indireta e sub-reptícia, apenas instigou o pregador de Allstedt a publicar outras duas obras, que aumentaram ainda mais a distância ideológica entre um e outro.

A escola de Wittemberg, que seguia o modelo reformador de Lutero, ia se constituindo no principal centro difusor do espírito protestante. Ao mesmo tempo, produzia seus próprios opositores, naturalmente, dentro do mesmo modelo mental protestante, apesar de ideologicamente adversos.

Em meados do ano seguinte, após Müntzer apresentar aos Duques João - o Constante - e João Frederico - o Magnânimo - sua “famosa prédica sobre o segundo capítulo de Daniel”,[3] Lutero reagiu com força, redigindo o que aqui é objeto de nossa investigação: a “Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso”.

O teor dessa missiva incitava as autoridades civis estabelecidas contra estes grupos revolucionários, evocando para tanto, de modo fundamentalista, o princípio bíblico da autoridade constituída extraído de modo distorcido da epístola aos Romanos, capítulo 13.

Feita esta breve contextualização passemos a concluir sumariamente o relevante aspecto do corpo da carta redigida por Lutero e dirigida aos Príncipes da Saxônia.

Após saudar os Senhores Feudais, Lutero, inicia sua argumentação contra o “espírito revoltoso” fazendo uma estreita e tendenciosa abordagem histórico-teológica. E o faz estabelecendo uma divisão da história que pretendia colocar desnuda a ação do “diabo de Allstedt” contra sua lógica reformadora.

Não nos interessa, neste contexto, penetrar os argumentos de Lutero e sua paupérrima abordagem histórico-teológica para demonstrar os erros primários oriundos de sua presunção intelectual e espiritual.

Interessa-nos verificar o quanto é aplicável a ele, Lutero, à modernidade que se apropriou do mesmo espírito na formulação do saber secular e, até mesmo, é aplicável às “hermenêuticas da ruptura” (segundo Bento XVI) do pós Concílio Vaticano II aquilo que o teólogo alemão protestante chamou de “espírito revoltoso”.

Aliás, aqui cabe uma necessária ênfase. Não obstante Lutero evoca o princípio do livre exame para compreender as Escrituras, só o admite na perspectiva do viés doutrinário de suas 95 teses. Toda divergência ideológica explicita ao teólogo de Wittemberg era passível de anátema pelo próprio Lutero.

Este já é um claro indício da forma mentis luterana, que analisa as coisas segundo o princípio da contradição.

E a matriz intrínseca deste princípio da contradição é o espírito da revolta ou, como enxerga o próprio Lutero como sendo cisco no olho alheio, sem antes perceber a trave em seus olhos: “espírito revoltoso”.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN



[1] LUTERO, Martin. Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso. In: Obras Selecionadas: Martinho Lutero. Vol 6. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Concórdia, 1996, p. 284.

[2] Ibidem, p. 285.

[3] Ibidem, p. 284.

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