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Bem vindos ao blog do Frei Flávio Henrique, pmPN

Caríssimos(as),
é, sim, nosso objetivo, "provocar" a reflexão para poder confrontar o modelo mental instalado e o paradigma de conhecimento que se arrasta há mais de cinco séculos, na esteira do renascentismo, do humanismo, da reforma protestante, do iluminismo e de todo processo de construção do conhecimento que atenta contra a Razão sadia - que inexiste sem o discurso metafísico - e contra a Verdadeira Fé, distorcida pelos pressupostos equivocados das chamadas nova exegese e nova teologia. (Ler toda introdução...)


* "PROVOCAÇÕES" MAIS ACESSADAS (clique no título):

*1º Lugar: Arquidiocese de Juiz de Fora reconhece avanço da Obra do Pater Noster...

*2º Lugar: Lealdade, caráter e honestidade... no fosso de uma piada!

*3º Lugar: Fariseu ou publicano, quem sou?

*4º Lugar: Retrospectivas e balanços de fim de ano...

*5º Lugar: “A sociedade em que vivemos”: um big brother da realidade...

* "PROVOCAÇÕES" SUGERIDAS:

*Em queda livre na escuridão...

*Somos todos hipócritas... em níveis diferentes, mas, hipócritas!

*Vocação, resposta, seguimento...

*O lugar da auto piedade...

*A natureza íntima da corrupção...

segunda-feira, 21 de março de 2011

O Domingo do Paralítico, o ocidente da “religião enlatada” e o Japão...

Começo por apontar minha paralisia no propósito de escrever nessas últimas semanas, apesar de ter noticiado há alguns dias que estaria retomando essa atividade, o que acabou não sendo possível.

De fato, a realidade - às vezes muito impactante - causa-nos muitas formas de paralisia.

O sofrimento, a dor, a perda, as tragédias (que aumentam numa quase progressão aritmética à cada verão), as decepções, enfim, tudo aquilo que barra de alguma maneira nossas expectativas, nossas esperanças e sonhos na vida presente, paralisam nossa capacidade de reagir sempre com efusiva alegria e perfeita solicitude.

Quando muito, numa demonstração heroica de força interior e resignação ativa (aquela que aceita o drama sem desespero, não com o fito de render-se a ele, mas, justamente para vencê-lo), o cristão, deveria conseguir levantar a cabeça que tende a pender inerte na direção do coração ferido. E, com isto, lançar um olhar longo por sobre o vale de lágrimas para ver o cume da montanha da esperança.

É o que tem feito - apesar de não possuir essa matriz cristã - o povo japonês, depois da recentíssima catástrofe causada por um gigante do mar: o tsunami.

No tocante ao padrão comportamental, apesar de não ser um povo de tradição cristã, o Japonês demonstra uma atitude neste nível de resignação ativa de excelência (que reage ao caos como se nada tivesse acontecido).

E a pergunta de fundo que intriga o mundo inteiro é: o que lhes causa esta resiliência histórica?

Ora, a recorrência de problemas severos produz automaticamente a necessidade de fazer dele uma oportunidade para mudança, para melhora. Inclusive, em língua asiática, a palavra para problema/oportunidade é a mesma.

Em quanto nós, no ocidente, fazemos do problema quase um fim em si mesmo - apesar da nossa cultura cristã que deveria forjar nosso caráter no madeiro da Cruz - para a cultura da sabedoria popular japonesa, o problema é um meio. Um meio doloroso, sim, não há como negar. Mas um meio, não um fim.

Não deveria ser este, para o cristão, o significado por excelência da Cruz?: um meio para a ressurreição?!

E se é, de fato, por um lado, assim para os verdadeiros cristãos que enfrentam os dissabores da realidade, numa minoria evidente (ou numa maioria absolutamente desconhecida na medida do Evangelho: “não saiba a mão esquerda o que faz a direita”); por outro lado, para uma maioria evidente daqueles que se dizem “cristãos”, os quais pretendem elevar sua “fé” até os píncaros do “sucesso”, da “realização pessoal”, da “prosperidade temporal”, a coisa não funciona bem assim.

Por isto, em geral, o olhar do ocidente para a tragédia dolorosa no Japão tem sido um olhar escandalizado:

- Como eles não se desesperam? Como mantém a ordem, a disciplina, a serenidade? De onde lhes vem esta força?

Imaginem que grande contradição... o ocidente cristão, cuja cultura fora forjada na perspectiva da Cruz do Cristo - e da resignação não passiva de seus verdadeiros seguidores - agora, mostra-se boquiaberto, prostrado e inerte diante da calamidade que assola a ilha do Pacífico.

E mais: o mundo cristão, que deveria ser a alavanca da virtude, encontra-se estarrecido com a resignação produtiva e exemplar daquela gente sofrida e sorridente, desassistida pela Revelação Divina, que a Fé Monoteísta chama de pagã.

Não é de surpreender esta estranha inversão de posturas?

Pois é... é surpreendente mesmo! Isso sim é assustador! Do ponto de vista da Verdadeira Fé, é mais assustador que o tsunami.

Seria esta evidência do arrazoado ocidental – que considera estar havendo um apocalipse na ilha nipônica – um apocalipse espiritual, causado por um tsunami metafísico? (ou uma espécie de abalo sísmico espiritual causado pela ausência de alguma metafísica ou ao menos de uma metafísica correspondente à Real Transcendência?).

Este modelo de cristianismo vigente parece-nos a imagem coletiva do Paralítico do Evangelho deste Domingo, segundo o Rito Bizantino. E, face ao terror causado pelo tsunami no Japão, os cristãos ocidentais paralisados, são como que descidos sobre o telhado da mais alta tecnologia para esperar de Deus uma solução para o problema da radioatividade...

E como os escribas da cena do referido Evangelho de Marcos, cujas passagens traremos logo abaixo, o homem contemporâneo não se contenta com a decisão Divina de perdoá-lo sacramentalmente por seus erros, apesar das causas mais graves da pretensão humana de assumir o lugar de Deus com o poder de manipulação do átomo, do gene e da natureza como um todo, em níveis críticos do absurdo, como o de terem já transformado o planeta num barril atômico...

Mas, não... contar com a condescendência do perdão Divino perpetuado no Sacrifício de Cristo na Cruz, Modelo Perfeito de resignação ativa à Vontade do Pai, não é suficiente para nenhum dos dois protótipos de cristianismo dominante, a saber:

* nem para aquele grupo cristão que acha que vai salvar o planeta com marxismo teológico ou com teologia idolátrica dos elementos vivos da criação;

* nem para o grupo cristão que acha que vai resolver tudo com a prosperidade temporal alcançada com sua fé de expectativas;

Ambos os grupos, que predominam no ambiente cultural do ocidente atual, questionam o silêncio de Deus que os perdoa, apesar disto.

Não lhes basta a salvação escatológica, que é garantida, sim, através da confissão sacramental. Portanto, indiferente ao Mistério da Fé, o cristão moderno segue obtuso na direção de um apocalipse que ajuda a construir.

E num consenso coletivo de consumo - da religião enlatada - parece ecoar o murmúrio dos que são intransigentes contra a verdadeira ótica da Fé - que mais uma vez ousamos apresentar - fazendo ressonância histórica daquelas mesmas elucubrações interiores dos antigos escribas:

“Como pode este homem falar assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão Deus” (Mc 2, 7)...

Ao que se apresenta a justa resposta:

“Mas Jesus, penetrando logo com seu espírito em seus íntimos pensamentos, disse-lhes: ‘Por que pensais isto em vossos corações? Que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados são perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, toma o teu leito e anda?’ Ora, para que conheçais o poder concedido ao Filho do homem sobre a terra (disse ao paralítico), eu te ordeno: levanta-te, toma o teu leito e vai para casa.” (Mc 2, 8-11)

É muito importante destacar uma singularidade neste Evangelho do Paralítico. O Filho do homem, embora vendo a fé do Paralítico e daqueles que fizeram descer o leito desde o telhado que haviam descoberto, não curou a paralisia física, como era de se esperar, especialmente depois de tão admirável ato de fé. Não o fez andar, mas:

“vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: ‘Filho, perdoados te são os pecados’ “ (Mc 2, 5).

Qual a razão para não curar fisicamente o paralítico, que foi descido pelo telhado para vencer a multidão que impedia que chegasse até o Messias, numa fragorosa evidência da expectativa que tinha para poder voltar a andar?

É, ainda, muito valioso o detalhe de que a cura física não apenas foi considerada menos relevante, mas, só fora realizada, inclusive, para colocar em relevo ainda mais a cura espiritual:

Ora, para que conheçais o poder [‘Os teus pecados são perdoados’] concedido ao Filho do homem sobre a terra (disse ao paralítico), eu te ordeno: levanta-te, toma o teu leito e vai para casa.” (Mc 2, 10 -11) (inclusão e grifo nosso)

Não estará aqui o acento mais sublime da Boa Nova da Salvação?: a cura da pior de todas as paralisias, a da alma?! A única solução perfeita e definitiva para sanar a paralisia de uma consciência atrofiada pela autocondenação? O sufrágio mais caro ao homem - vítima da própria fraqueza - refém da absoluta falta de perspectiva temporal e escatológica de uma memória marcada pelo remorso e/ou esmagada pela culpa?

O que faz com que o cristão atual tenha uma esperança messiânica mediocremente reduzida a um mero historicismo?

Como eu gostaria de ver também acontecer com a alma cristã do ocidente, paralítica na maca do paradigma relativista, cientificista e devedor de todos esses modelos antropológicos sem sustentação ontológica, repetirem, neste terceiro milênio da era cristã, aquele mesmo gesto do paralítico do Evangelho deste segundo Domingo da Quaresma:

“No mesmo instante, ele se levantou e, tomando o leito, foi-se embora a vista de todos.” (Mc 2, 12a)

Levanta-te cultura cristã, em sua mais perfeita forma doutrinária, toma o leito da história secular e vai embora para longe deste paradigma anticristão, que torna a religião apenas um produto enlatado, com rótulos e clichês de bem estar temporal. Saia desta paralisia espiritual, para que os herdeiros desta geração, desde o Japão (que treme e continua de pé), até todo o Ocidente (que sem tremer – e sem temer a Deus – cai de joelhos diante das consequências de suas próprias invenções, como a que fará ainda a humanidade gemer o dia em que dividiu o átomo para multiplicar os dólares...), sejam capazes de atualizar a bela cena do Evangelho:

“A multidão inteira encheu-se de profunda admiração e puseram-se a louvar a Deus, dizendo: ‘Nunca vimos coisa semelhante.’ “ (Mc 2, 12b)

Mas, impotente que é minha medíocre palavra sacerdotal para fazer ecoar este brado de sanidade, mergulho também eu na inércia de uma paralisia espiritual, juntando aqui e acolá um amontoado de palavras para ver se ao menos venço em mim os limites da minha própria natureza...

Nesta semana quaresmal em que o Oriente Cristão celebra o Domingo do Paralítico, sugiro a leitura da belíssima reflexão do Eparca Melquita Farès Maakaroun (PARALÍTICO - QUARESMA DE 2011 – p/ Dom Farès Maakaroum), que apesar da religião enlatada pela indústria da fé de nossos dias, nos oferece um verdadeiro banquete espiritual com sua palavra de sabedoria.

Quanto ao povo japonês, nossos parabéns pela capacidade de carregar a Cruz sem conhecer o seu real significado.

Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN

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