Em tudo... em tudo... em tudo... mais
que em todas as derrotas, mais que em todas as vitórias: a VONTADE DE DEUS conta mais que tudo...mais que os vícios e
pecados... mais que as virtudes e as pretensões de santidade...
Vou rabiscar essas ideias radicais
para utilidade de quem, antes de pretender “produzir” qualquer tipo de reforma
cristã na “fábrica” de utilidades vendáveis do Evangelho - segundo as regras da
economia da nova evangelização - está honestamente comprometido(a) com a
produção artesanal e laboriosa da própria conversão, como artífice diuturno da
reforma de si mesmo, para o bem de todos.
Por incrível que possa parecer o que
vou dizer, mas, até mesmo o pecado na
luta por realizar a Vontade de Deus, vale mais que a virtude na luta – nobre que
seja - por realizar a vontade própria...
Tão incrivelmente paradoxal isto, que
vou repetir: até mesmo o pecado na luta
por realizar a Vontade de Deus, vale mais que a virtude na luta – nobre que
seja - por realizar a vontade própria...
Não será em razão do que decorre
disto, em misteriosa profundidade, que algumas prostitutas nos precederão no
Reino dos Céus??? Na decadência do zelo para consigo, uma prostituta leva aos
estertores a humilhação de uma vida de desprezo a si mesma, que de algum modo
gera humildade. Pode-se dizer tudo de uma prostituta, nunca que ela seja
orgulhosa. As prostitutas podem ser vaidosas, mentirosas, dissimuladas, enfim,
podem acumular - além da promiscuidade - toda sorte (na verdade azar) de vícios morais, todavia, não se
encontrará entre elas o orgulho gracejando-lhes a alma.
Na vida tristemente degradante de
quem vende o corpo, a própria prostituição destrói o amor próprio e, junto, de
quebra, o orgulho que nele reside e dele se alimenta. Sem ter o amor próprio
para alimentar o orgulho, como pode este último sobreviver? Será por esta razão
que suas almas acrisoladas em corpos manchados pelo pecado, contêm alguma
predisposição maior para conversões mais sinceras? É de fazer pensar!
Em muitos virtuosos, ao contrário, excede
a exaltação que gera o orgulho. Talvez por isso, não poucas heresias venham de
processos mentais adoecidos pela convicção internalizada da auto piedade e auto
pureza, que se desdobram em formas pietistas e puritanas na prática do bem
comum ou da santa religião, desfigurando-os por completo. A isso, temo, também,
irá levar a tão idolatrada práxis no
lugar da doxa, que na extensa
literatura bíblica, aparece poeticamente como prostituição contra um Único Deus
Criador de todas as coisas.
Pensemos nisto com modéstia e
simplicidade: talvez seja por isto que o Bendito Salvador afirmou não ter vindo
para os que estão saudáveis. De fato, estes não precisam da Medicina de Deus.
Aliás, a Medicina de Deus cura não apenas o pecado, mas, a raiz do pecado: o
orgulho. E como o orgulho viceja com facilidade nas almas ciosas de si mesmas,
apaixonadas pela vaidade de práticas virtuosas acima da media.
Aqui neste blog, é assim: “uma no
cravo, outra na ferradura”. Afinal, ferreiro que se preza, tem de testar a
qualidade do casco antes de fazer padecer o animal com pregos de aço em patas chochas.
De que adiantam gastar ferraduras onde os cravos – iguais aos da Cruz – não poderão
conservá-las?
Primeiro se deve tratar os cascos
danificados da nossa vida carnal danificada quer pela falta de respeito ao
próprio corpo, que se entrega facilmente à prostituição; quer os cascos
rachados (embora rígidos) da nossa vida espiritual danificada pelo excesso de
valorização da alma, que se deleita na vanglória.
Em razão disto veio Ele para tratar os
que estão doentes, isto é, os que reconhecem no profundo de si mesmos
impotência para glorificar a Deus e somente a Ele. Estes estão alquebrados e
humilhados pelo pecado e falta de virtudes. Humilhados, aceitam humildemente a
Medicina Divina. Com as feridas da alma abertas e expostas, absorvem o bálsamo
da Misericórdia com gratidão, generosidade, intensidade, simplicidade, abertura
honesta, enfim, certos de sua indignidade, os fracos descobrem o Mistério de
que Deus fará brotar neles a Graça, como faz brotar no esterco, o lírio...
Por isto o Santo Apóstolo, que de
Tarso a Damasco, viu-se derrotado pelo farisaísmo virtuoso da antiga religião
que usava da Lei para oprimir o pecador, invés de cuidar-lhe as feridas do
corpo e da alma, disse com propriedade doutoral (no sentido de Medicina Divina,
mesmo): “onde abunda o pecado, superabunda a Graça de Deus”...
Mistério da Fé! Tão grande este
Mistério que, talvez, seja por esta misteriosa razão do paradoxo entre o mundo
natural e o mundo sobrenatural que, os maiores místicos da Igreja padeciam
terrivelmente do vigor das compulsões de todas as ordens. Foram achincalhados
pela visceralidade das libidos ou dos
nervos... tudo, terrivelmente, à flor da pele.
Ponhamos de lado um instante a
Medicina de Deus e voltemo-nos novamente ao diagnóstico dos que dela precisam.
Os candidatos à pureza angelical,
numa quase anti-naturalidade de desprezo à condição de natureza que lhes deu o
Criador – sem o perceber muitas vezes – querem atestar certa incompetência
Divina, que deliberou fazer-nos homens invés de anjos. Aonde chegam os píncaros
do orgulho, não?
Contudo, os ciosos da própria candura
idolátrica, não padecem a boa, necessária e fatigante luta da alma. Parecem viver
num “paraíso” de contemplação onde tudo é como é e não faz muita diferença que
assim seja, não lhes toca o fundo da alma (mais ocupada com as próprias
virtudes), que as coisas sejam como são.
Eles parecem não possuir material
interior de decrepitude moral para ser transformado pela Graça, embora, estejam
imersos no âmago da mais abominável forma de amor: o amor próprio... (agora não
sei se é o ferreiro dando no cravo ou o cavalo retribuindo com um coice).
Seja como for, em consequência disto,
os garbosos do amor próprio pela prática das virtudes, bastam-se a si mesmos,
correndo o terrível risco de rejeitar mínimas provas, e chegam mesmo a
desenvolver revolta contra Deus e contra si próprios, a partir de inexpressivos
arranhões em sua condição interior que jazia já num ego pseudo ilibado e pseudo
perfeito. Basta-lhes o mínimo dos mínimos em termos de falha, para abandonarem
a paz aparentemente “perfeita” dessa inércia (indiferente para com tudo fora de
si), e enveredarem por um caminho de difícil retorno à concórdia com as
próprias consciências, com tudo o que lhes cerca e com Deus, ao fim das
contas...
O narcisismo
espiritual é o amor próprio – doentio - à beleza da própria pureza, tanto
quanto o narcisismo físico é o amor próprio – doentio - à beleza das próprias
feições... BIS (leia
de novo e reflita com honestidade).
Se você leu novamente e chegou à
conclusão que isso lhe diz respeito de algum modo, menos mal. Há chance de
buscar a Medicina Divina antes que isto se torne um câncer espiritual, pior que
o causado pelo pecado do corpo, pois, aquele, sendo pecado da alma, poderá
destruí-la para sempre. O pecado do corpo só destrói a vida no corpo, não
necessariamente a vida da alma (o que também pode acontecer sem o devido
cuidado).
Por isso disse o Senhor: felizes os
pobres, felizes os que choram, enfim, no Sermão da Montanha, felizes são todos
aqueles que são infelizes neste
mundo “nem perfeito nem imperfeito, mas em desenvolvimento” (Stº Ireneu de
Lyon), pois, não se bastam a si mesmos. Eles reconhecem sua ‘faltância’ e
insuficiência, por isso estão aptos à preexistência da Graça que tudo sustenta
e à sua operação na natureza, a fim de complementá-la na vida natural e de suplementá-la
na vida sobrenatural.
Na outra ponta do tênue fio
existencial, pode-se dizer: infelizes são os ricos, infelizes os que riem dos
próprios méritos e conquistas, enfim, infelizes são todos aqueles que são
felizes em seus mundinhos de perfeição e virtude, pois, bastam-se a si mesmos
no engodo da meritocracia espiritual (julgam-se merecedores da Graça pela
prática das virtudes, o que equivaleria dizer que a Graça bate continência para
seus próprios méritos... ora, pois sim!). Estes últimos gabam-se de suas
completudes e suficiências, por isto permanecem inaptos ao complemento e
suplemento da Graça, embora possam reconhecer a preexistência dela como
sustentação do próprio existir.
Não conheço um só santo ou santa – um
único - que não tenha desconfiado severamente de si próprio. Se místico,
então... até a exaustão da alma e dos sentidos.
Tanto mais Deus cabe em nós, quanto
mais nos esvaziamos de nós mesmos. Eis a kenosis
do Discípulo Amado, obediente ‘cuidador’ da Santíssima Virgem Mãe de Deus.
Portanto, voltando ao exemplo da
falta de virtude moral daqueles que tenham descido até o fundo do poço dos
próprios limites e misérias (como as/os prostitutas/os, por exemplo), têm eles toda
convicção do mundo de que nada possuem que os façam merecer, por si mesmos, os
benefícios inenarráveis da Graça Divina.
Inversamente proporcional a isto,
aqueles que ergueram a si próprios no auge de seus méritos e virtudes (como os
puríssimos Anjos de Luz=Lúcifer; e seus imitadores quer nos coros angélicos
quer no “coro de carne” de muitos homens e mulheres cheios de vanglória), têm
toda convicção própria de que possuem todos os méritos necessários para
usufruírem – por direito de merecimento e não por Gratuidade Divina – os
beneplácitos da Graça Divina.
Importante lembrar que a palavra
Graça significa exatamente gratuidade. O Dom da Vida é concedido de Graça. Ninguém,
antes de existir, poderia fazer nada para merecê-lo, simplesmente porque não
existia para fazê-lo. E depois de vir à existência, não por merecimento
pessoal, mas por puro mérito da gratuidade (Graça) Divina, nada pôde, pode ou
poderá fazer meritoriamente para garantir a permanência da existência.
Santo Agostinho tem razão: Tudo é
Graça... Tudo é Graça... Tudo é Graça... até o pecado, não quisto por Deus,
mas, por Ele permitido, favorece a Graça para superabundância dela mesma,
afinal, quem como Deus pode de todo e qualquer mal, tirar sempre um bem
infinitamente maior?
Pe. Frei Flávio
Henrique, pmPN