Concluiu-se a Grande Semana Santa de
2013. Celebramos mais uma Páscoa, depois de dois milênios. Diante de tão longa
e árdua travessia histórica, uma questão é preponderante:
- poderia a Páscoa, após tanto tempo e
tantos deslocamentos históricos adquirir, liturgicamente, sentido tão diverso
daquela instituída por Cristo, formulada pelos Apóstolos, estruturada pelos
Santos Padres, rezada e defendida por mártires e santos, enfim, aquela mesma de
sempre – apesar da variedade dos Ritos – que tem garantido a permanência de
Cristo na terra até o último dia?
Esta é uma questão delicadamente
problemática para se abordar.
Especialmente complicada se levarmos em
conta a multiplicação vertiginosa de grupos ‘católicos’ insurgentes de todas as
espécies, cuja pretensão crítica não demonstra mínima reverência para com a Santa Igreja através de seus legítimos representantes ordenados para o Culto Santo.
Grupos estes que, movidos por pura
paixão ideológica (ainda que cheias de certeza moral de amor à verdade), acabam
elevando a enésima o espírito enrustido do protesto, causando - na prática - um
vendaval de facções fragmentadoras da unidade, em razão do agir com a Palavra
(ou com a palavra) como se fossem justiceiros de causa própria, à revelia da
autoridade institucional constituída.
Diante deste cenário mais caótico que
católico, em que o apego ideológico faz despertar paixões insanas mesmo entre
aqueles que “juram de pés juntos” amor à verdade, levantar um questionamento
honesto a cerca da mobilidade histórica dos reais sentidos das coisas, pode
também parecer insinuar ‘censura’, contestação ou insubordinação à Igreja em
suas decisões conciliares.
Entretanto, por uma questão de dever
para com a verdade do propósito e da intenção que nos move nesta polêmica
empreitada, devemos antecipar que em
absoluto esta nossa “provocação do pensamento” se alinha com estas
perspectivas semi-cismáticas.
Bem ao contrário é o nosso
posicionamento...
Nem abrimos mão da obediência reverente que é sempre devida à Santa
Igreja e seus legítimos representantes ordenados para o Culto Santo nem renunciamos ao extenuante esforço de caridade para com quem a isto
subterfugia.
Neste quadro que enxergamos caótico no horizonte
da Reta Fé, é necessário destacar que os mecanismos de subterfúgio -
internalizados na inclinação desses ‘católicos’ – são devedores de uma
consciência muitas vezes bem intencionada. Porém, mal direcionada.
Analogamente temos na atmosfera do catolicismo
um fenômeno tempestuoso: uma grande ‘massa de ar frio’ (falta de verdadeira
caridade) encontra-se com outra grande ‘massa de ar quente’ (amor próprio em
nome da verdade). A grande diferença de temperatura entre essas duas massas,
ocasionam as ‘tempestades’ que atingem com violência inenarrável a Barca de
Pedro, como previra Dom Bosco.
Estes modelos mentais contrastantes,
como no encontro de ‘massas de ar’ quentes e frias a formar um ‘céu’ com
‘nuvens densas e carregadas’, parecem possuir de si mesmos pouca – às vezes nenhuma - consciência do próprio subterfúgio
à autoridade institucional da Igreja.
Isto se dá visto que estes modelos
mentais, opostos entre si, também são vítimas dos ‘ventos fortes’ do livre
exame e das causas próprias, avessas umas às outras, causados por: de um lado, pela
recalcitrância progressista; e na outra extremidade, pela intolerância pseudo
ortodoxa.
Feita esta indispensável notificação
antecipada, para registrar com vigor que o nosso esforço reflexivo não se
alinha nem com uma nem com outra visão da Fé, retornemos ao núcleo da
problemática sugerida nesta “provocação do pensamento”.
Uma vez que a centralidade do Mistério
da Salvação está incruentamente associada à Páscoa do Senhor, instituída por
Ele como permanente e indefectível Ação Litúrgica, que faz memória atualizadora
do Seu Sacrifício Redentor como Único Filho de Deus, então, vamos apresentar na
sequência algumas considerações oportunas sobre o tema.
Necessário será cumprir, primeiramente,
um caminho introdutório um tanto enfadonho - devo admitir -, mas, rigorosamente
necessário para fundamentar, com a lógica da verdade, o que pretendemos expor.
Portanto, caro (a) leitor (a), eu sou obrigado a desafiá-lo (a) a não
desaminar, ainda, desta leitura, pelo fato de, primeiro, ter que “atravessar o
deserto” mais intelectualizado dos próximos parágrafos.
Motive-se com a esperança de poder
encontrar-se, logo na sequência, com a “terra prometida” do verdadeiro sentido
da Liturgia na chamada Economia da Salvação.
É nesta perspectiva de esforço de
coerência com a Reta Fé que herdamos de nossos antepassados - e da qual NÃO somos protagonistas
autorizados a modificá-la -, que pinçaremos alguns aspectos pontuais que
nos permitam explorar algumas dolorosas imprecisões.
Imprecisões decorrentes dos
deslocamentos de sentido que reinam quase que absolutos nesta época dominada
pela “ditadura do relativismo”.
Antecipamos que percebemos nestes
deslocamentos de sentido - abundantes em nossa época – uma usina geradora de
corruptelas lamentavelmente ‘autorizadas’ por um quase livre-exame
hermenêutico, comprometido com as incongruências relativistas do tempo e
negligente com a coerência dogmática de uma Tradição que – por possuir origem
Divina – é capaz de atravessar incólume a História.
E por falar em história, demos os primeiros
passos na parte árida desta travessia do pensamento para, depois, chegarmos ao
núcleo do tema: Ceia? Ágape? Ou
Eucaristia?...
A história é móvel, sim. Tem dinâmica
própria. Insere, por conseguinte, tudo o que nela está inscrito e sujeito a
este movimento dinâmico.
Em decorrência deste fato, cada época
está sujeita ao conjunto de conhecimentos que a caracteriza, fenômeno que
podemos chamar de ’paradigma da época’.
Este fenômeno causa deslocamento nos
conceitos e significados dos termos, das ideias, das teorias, dos costumes, das
crenças, etc. Assim, uma palavra que originalmente significa uma coisa, pode
ganhar significado diverso, e mesmo oposto.
Um exemplo simples: o termo ordinário é uma palavra que, originalmente,
serve para significar tudo àquilo que está sujeito a uma ordem (natural ou
sobrenatural).
Qualquer coisa que se tome por ordinária é, em si, devedora de
dignidade por estar de acordo com a lei que a rege.
Todavia, a normalidade do agir conforme
a natureza própria torna este algo tão corriqueiro e comum que, de nobre, a
normalidade o transforma em vulgar no senso comum.
É desta maneira que, na linguagem
popular, o termo ordinário passa a
significar exatamente o contrário do seu sentido original.
O vocábulo ordinário, então, que de per
si serviria para significar algo moralmente nobre, por seguir o ordenamento
de leis intrínsecas - naturais ou sobrenaturais -, passa rapidamente no senso
comum à conotação vulgar de imoral ou sem vergonha, donde se diz, por exemplo,
que o sujeito é ‘ordinário’ por agir
contrariamente à lei que deveria respeitar (lei natural, lei moral ou lei da
Graça).
Portanto, essa mobilidade semântica
varre todos os campos da cultura e do conhecimento ao que não se excetua a
religião.
Tais deslocamentos, que acompanham os paradigmas
de época, podem trazer graves consequências ao real significado das coisas
tanto na ordem natural como na ordem sobrenatural.
Por vezes estes deslocamentos podem
mesmo inverter a verdade contida nos elementos da natureza e nos elementos da
Graça.
Em muitas outras postagens neste blog
falamos com largueza sobre a indefectibilidade dos dogmas imutáveis da
verdade (Stº Ireneu de Lion).
Na história - sujeita a ação do tempo e
às circunstâncias do espaço - as coisas se movem, sim, fazendo variar as
conotações e as interpretações, naturalmente.
Contudo, o movimento da história se
desenvolve inexoravelmente em torno de um eixo de verdades imutáveis.
Gosto sempre de exemplificar: por mais
que se inventem bebidas diferentes, em quaisquer épocas - anteriores à
pré-história, que está sob os escombros do movimento espacial geológico; ou ulteriores
à pós-modernidade, que está ainda emergindo no movimento temporal da cultura –
a água continuará sendo constituída por 2
moléculas de hidrogênio e 1 molécula
de oxigênio.
E água será H2O per saecula
saeculorum. Independente dos
conhecimentos e tecnologias químicas realizadas com a tabela periódica.
E a água –
que será sempre H2O e jamais outra coisa - permanecerá sendo o elemento
constitutivo da vida, não importando as mudanças dos hábitos e costumes
culturais, sociais, econômicos, científicos, religiosos, enfim, sejam eles
quais forem.
E a água,
não importa o que se invente de bebidas diferentes, será o único líquido a
saciar, de fato, a sede orgânica e biológica do homem.
Também vivo repetindo como “disco
arranhado”, com o fito de fazer despertar do sono da morte ideológica os
relativistas de plantão, que independente das nossas preferêcias para o dia ou
para a noite, teremos que suportar ambas fases do Dia ad aeternum,
enquanto o sistema solar funcionar causando vida na terra.
São dois exemplos tão simples e tão
óbvios que, embora incontestáveis, não são percebidos pelos adoradores da
hermenêutica crítica literária, quando fazem suas divagações de conjecturas
analíticas seguindo o relativismo quase “dogmático” (sic!) do paradigma da
época.
Os hermeneutas, idolatrando a evidência
do movimento cósmico que descreve, por assim dizer, a mobilidade das coisas
movíveis em seu contínuo movimento em torno das coisas imutáveis, simplesmente
ignoram as coisas imutáveis que obrigam as coisas movíveis mudarem
constantemente sob os influxos do tempo e as circunstâncias do espaço.
Em palavras menos filosóficas: os intérpretes
da história, reverenciando em demasiado o mobilidade de todas as coisas,
ignoram que são justamente os elementos inamovíveis e imutáveis (que desprezam
com seu modelo mental relativista), que as movem.
A idolatria do relativismo ao evocar,
por exemplo, a dinâmica evolutiva da história das bebidas exalta a mutabilidade
dos líquidos sem levar em conta o seu elemento imutável, a saber: a tabela
periódica, que dá aos líquidos sua composição química, afinal, em qualquer
tempo e em qualquer espaço natural, água será sempre H2O.
Esta evidência nos permite afirmar,
para o pavor dos relativistas (dogmáticos ao menos na certeza de que tudo muda
o tempo todo), que existem, sim, ”dogmas imutáveis da verdade”.
Repetindo de maneira mais simples,
podemos dizer que em nossa época há uma tendência de relativizar todas as
coisas devido ao permanente movimento em que todas elas, também, se encontram.
Assim, os observadores da lógica
hermenêutica, olhando para a dinâmica do sistema solar, por exemplo, e
percebendo todos os movimentos causados pelos ciclos, concluem que nada
permanece como tal sob a ação do tempo e do espaço.
Mas não consideram que é justamente uma
realidade inamovível, estática, imutável, enfim, dogmática, que possibilita
isto, a saber: será assim, sempre, enquanto o sol existir e fizer o sistema
solar funcionar como conhecemos.
Caso contrário, toda vida da qual se
pode apreender o movimento de existir, deixa de existir. Inclusive tudo aquilo
que é relativo dentro do processo de existir sob as leis naturais garantidas
pelo ciclo solar. Simples assim.
Por tanto, como dissemos antes, é
inexorável que as dinâmicas mutáveis são causadas por leis imutáveis:
- 2 moléculas de hidrogênio + 1
molécula de oxigênio = água, sempre;
- o sol regendo perpetuamente o sistema
solar = sempre condições para vida na terra;
Mas alguém movido por preguiça mental
poderia dizer:
_ ah,
mas o sol vai deixar de existir em algum momento e, com ele, o sistema solar,
mudando a configuração de tudo, de alguma forma. Sendo assim, a vida na terra é
relativa...
Ora, os dogmas imutáveis da verdade são
leis inexoráveis dentro do conjunto funcional no tempo e no espaço. Sendo
assim, esta lei deixa de existir somente em razão de outra lei inexoravelmente
maior. No caso acima, há uma lei imutável não percebida pela preguiça mental de
quem põe em relevo apenas a relatividade do fato: a de que, com o fim do sol,
se finda também o sistema solar.
E isto é, obviamente, uma lei também
imutável, dentro de qualquer outra lei que se prove imutavelmente ainda maior.
Se tais regras imutáveis deixassem de
existir, juntamente com elas deixariam de existir também todas as dinâmicas,
movimentos, desenvolvimentos, “evoluções”, “saltos quânticos”, etc, etc, etc.
Como conclusão parcial, uma questão
relevante:
- as coisas no tempo e no espaço são
permanentemente mutáveis e, por conseguinte, dogmaticamente relativas, como
pretende a idolatria hermenêutica?
Isto, sim, é deveras relativo...
Há, pois, uma mutabilidade permanente,
sim, contanto que sujeitas às causas que as inicia na dinâmica das mudanças: os
elementos imutáveis em torno dos quais elas se desenvolvem...
Ora, se esta é a realidade das coisas
no campo da Razão Natural, independente das interpretações que a elas se
atribuem, então, não é diferente no campo da Fé Sobrenatural.
Portanto, voltando ao campo da Fé,
podemos perceber que os deslocamentos de sentido hermenêutico das chamadas
novas teologias e novas exegeses, baseados no reducionismo imanentista da
crítica literária, seguindo a mesma lógica dos pressupostos da razão natural, acima
elencados, também tendem a incorporar no discurso da “fé” o relativismo da
Revelação.
Junto com isto, arrastam para dentro de
todas as perspectivas da religião (eclesiológica, dogmática, sotereológica,
pastoral, litúrgica, etc), as mesmas deficiências de percepção da verdade tal
como ela o é - enquanto verdade dogmática - na perspectiva da Revelação Divina.
Assim a hermenêutica ‘cristã’ tende a
reduzir a mitigadas contradições aquilo que, na perspectiva do Mistério,
permanece sendo puro paradoxo.
E é deste modo surge esta barbárie de
equívocos interpretativos – teológicos, exegéticos e litúrgicos - não obstante todas
elas certificadas secularmente com títulos doutorais, por estrita submissão
honorífica à metodologia hoje assumida como científica...
Não nos esqueçamos que, tais metodologias
- hoje ‘senhoras’ dos crivos doutorais - possuem a mesma proeminência de outras
metodologias por elas substituídas, as quais, também, no passado, gozaram deste
mesmo privilégio categórico.
E mais: no futuro, outras metodologias mais
condizentes com as novas épocas do porvir, poderão, em substituição às atuais, vir
a gozar deste referido privilégio categórico, descredibilizando não apenas os
métodos atuais, como também o que se tomou por certo a partir deles.
Dito isto, nossa primeira impressão
sobre a pluralidade deveras diversa das hermenêuticas bíblico-litúrgicas, por
vezes contraditórias entre si, são tão ilógicas quanto insustentáveis. Tão
contrárias à própria letra quanto antagônicas ao seu verdadeiro espírito.
É a partir deste ponto que queremos
fazer esta “provocação do pensamento” confrontar o real sentido das Liturgias
Santas no Ocidente e no Oriente (Católicas e Ortodoxas).
Para tanto, tenhamos em mente as Ações
Litúrgicas celebradas entre a Instituição da Eucaristia e o Domingo de Páscoa.
Falamos em confrontar o sentido real
porque, especialmente o ocidente, permanece sofrendo algum tipo de influência
das concepções da grande chaga litúrgica iniciada pela Reforma Protestante e
continuada, a nosso ver, pelas infindáveis hermenêuticas da ruptura aplicadas
no contexto das chamadas nova exegese e nova teologia.
Não bastasse toda esta influência
potentemente capaz de fazer deslocar o sentido real da Eucaristia Instituída como
Páscoa do Senhor, há, ainda, a influência dos deslocamentos eclesiológicos
pastoralistas, vigentes na prática dos variados modelos que se desenvolvem a
partir do Concílio Vaticano II, construtores do que o Magistério de Bento XVI
chamou de hermenêutica da
descontinuidade.
Apesar das exaustivas indicações deste
fenômeno em curso, feitas pelo Magistério de Bento XVI, elas não chegaram
suficientemente, ainda, a produzir o necessário despertar da consciência no
tecido eclesial.
Há, todavia, esperança de que esse
patrimônio do Magistério Ordinário do Papa Alemão, agora emérito, produza seus
frutos no porvir.
Feitas estas considerações de
necessária crítica epistemológica, passemos a analisar de modo direto e
objetivo o verdadeiro sentido semântico da Liturgia Sacrifical e Expiatória da
Santa Missa, como sempre foi entendido pelas Tradições Cristãs do Ocidente e do
Oriente - antes e depois da Reforma Protestante – ao menos, com perfeita
clareza, até o Concílio Vaticano II.
A propósito, importa destacar que a
tradição litúrgica protestante foi a única a considerar de modo diverso esta
realidade expiatória e sacrifical da Eucaristia. A ponto de exportar este
deslocamento impróprio para os novos sentidos de Ceia e Ágape, os quais vão
pouco a pouco se introduzindo em alguma medida na Liturgia Católica Ocidental,
particularmente no âmbito do Ordo de Paulo VI.
Que fique bem claro: constatar isto com sobriedade, franqueza e tristeza
não implica, absolutamente, repudiar o Novus Ordo Missae.
Nem desejamos isto e tampouco poderíamos, caso desejássemos.
É reservado à Santa Igreja (através de
Sua Santa Hierarquia) e somente à ela decidir sobre a Vida Litúrgica do Corpo
Místico de Cristo.
Aos teólogos, liturgistas, ministros
ordenados e, sobretudo, aos palpiteiros de “butuca ligada”, cabe,
primeiramente, com humildade obedecer à Igreja e, com reverência hierarquizada,
refletir sem abrir mão da Verdade e sem buscá-la em detrimento da Caridade.
É o que tentamos, novamente aqui, nesta
“provocação do pensamento”, a partir da modéstia do lugar de Sacerdote de
Cristo, Ministro do Altar, licita e validamente ordenado para oficiar o Santo
Sacrifício de Louvor em dois Ritos Católicos: o Romano e o Bizantino.
Se conseguiremos?!... bem, ao menos não
cansaremos de tentar...
Tomemos, então, por base o belíssimo e
rico texto da primeira leitura segundo o calendário da Missa Romana da
Instituição de Eucaristia (Ex 12, 1-8.11-14), comumente chamada de Ceia do
Senhor.
Vamos colocar em relevo alguns aspectos
do texto, que sempre foi tomado pelos Santos Padres como perfeita prefigura da
Páscoa Cristã.
Para bem acompanhar o raciocínio,
convém reler o texto ou tê-lo em mãos para consulta ao longo desta reflexão.
O texto descreve o Plano de Deus para o
Pessach
(Páscoa = Passagem) dos Hebreus, retirando-os da Escravidão do Egito para a
liberdade em uma “Terra Prometida”.
Não é nenhuma novidade o fato de que
para o cristianismo esta é a prefigura da Páscoa Cristã, em que o batizado –
atravessando as águas do ‘mar vermelho’ do sacrifício de Cristo – passa da
escravidão do pecado para a liberdade da “Pátria Definitiva”, o Céu.
A única novidade bastante recente neste
caso é o reducionismo imanentista de algumas hermenêuticas, que querem com suas
interpretações circunscrever o céu dentro dos limites da terra, ainda que
insistam em ficar repetindo o famoso “já e ainda não”...
Desejo pinçar deste texto da Primeira
Aliança alguns elementos muito significativos, que suportam em si a verdadeira
estrutura semântica e exegética da Eucaristia Cristã, desde a comunidade dos
Apóstolos e através dos séculos.
Tomemos por partes os versículos do
livro do êxodo que narra a Páscoa Hebraica - prefigura da Páscoa Cristã - a
partir da qual poderíamos construir uma curiosa e especulativa “interpretação”.
Importante dizer: a hermenêutica, enquanto
ferramenta metodológica de trabalho, não é por si mesma nem boa nem ruim, mas,
aproxima-se ou afasta-se da verdade dependendo de como é usada, ou seja, se
aplicada rompendo com a linha contínua dos dogmas
imutáveis da verdade ou se lhes dando continuidade. Isto registrou com vigorosa precisão o Magistério de Bento XVI.
Vejamos o versículo:
“Este mês será para vós o princípio dos
meses: tê-lo-eis como o primeiro mês do ano.” (Ex 12, 2)
Nasce assim o primeiro Ano Litúrgico do
mundo Monoteísta.
Não nos esqueçamos de que o primeiro
povo do globo terrestre a realizar a distinção pessoal e substancial entre o
Criador e as criaturas, inaugurando na História da Humanidade, o Monoteísmo
autêntico, foi o povo semita de língua hebraica, aquele mesmo povo do qual descendem os habirus (miseráveis, pequeninos, excluídos), como eram denominados
em língua egípcia.
E não só tem início um calendário
litúrgico monoteísta, ou seja, um calendário através do qual os homens
construam sentido de existência - enquanto passam nesta terra – ordenando seu
amor em primeiro lugar a Deus e a Sua Santa Vontade. Este novo calendário,
movido pela priorização da Vontade de Deus, já indica cronologicamente dois
precisos sinais para este cumprimento. Senão vejamos a primeira indicação no
versículo seguinte:
“Dizei a
toda a assembleia de Israel: no décimo dia deste mês cada um de vós tome um
cordeiro por família, um cordeiro por casa.” (Ex 12, 3)
Se os
hermeneutas podem construir ‘interpretações’ ‘exegéticas’ em ruptura com a
indefectibilidade da Tradição Apostólica e Cristã, então, vou me permitir
interpretar o versículo acima, apenas que sem nenhuma pretensão exegética.
Todavia, tal interpretação, segue consoante com um sincero esforço de
continuidade com a Fé que herdei no Batismo, a qual devo transmitir como
Sacerdote de Cristo, não me sendo permitido adulterá-la como palpiteiro da
vontade própria.
Vejamos.
O mês em
referência é o mês de Nissan, de acordo com o calendário judaico.
Curioso, no
mínimo, que Deus indique ao Grande Profeta do Decálogo número tão sugestivo no
contexto da teologia para a escolha do cordeiro a ser imolado: “no
décimo dia” do mês que será o princípio dos meses...
Assim, os dias
teológicos parecem indicar que a escolha do cordeiro - cuja imolação livrará o
povo da destruição quando da passagem de Deus em seu meio - deva
ser precedida pelo cumprimento, na história, dos Mandamentos – frise-se: em
número de 10 - que seriam dados a partir daquela Páscoa Hebraica...
Ainda sobre isto:
- os dez
mandamentos preparam o coração dos indivíduos (eleitos) e da coletividade (povo
de Deus) para acolhimento do Ungido de Deus. Não são os Mandamentos que salvam,
mas são eles que preparam os homens para acolherem a Ação d’Aquele que Salva;
- a Páscoa
Hebraica não é apenas prefigura da Páscoa Cristã, mas é a preparação da
Humanidade para inclusão de todos os povos na Libertação de Cristo, que não se
reduz a uma mera e imperfeita libertação histórica e temporal, sobretudo,
consiste numa Libertação para além dos limites temporais da história e para
além das fronteiras históricas do tempo;
Avancemos para
o versículo 6:
“E o
guardareis até o décimo quarto dia deste mês; então toda a assembleia de Israel
o imolará no crepúsculo.”
Prosseguindo
com nossa interpretação, não exegética no sentido acadêmico do termo, mas
afinada com o sentido que lhe deu a Sagrada Tradição, então, cumpre-nos notar
outras curiosidades...
Guardar o
cordeiro até o décimo quarto dia... a genealogia de Cristo, o Verdadeiro Cordeiro
Imolado, é apresentada pelos Evangelistas divididas por algum propósito
providencial em intervalos temporais de 14 gerações, até seu nascimento...
E não será
menos intrigante que os 4 dias em que o cordeiro deveria ficar guardado, a
partir da escolha, possam ser bem representados pelos dias em que Deus resolveu
guardar “longe” de Si o Seu Unigênito, para distribuí-lo como Dom Total da
Salvação na Eucaristia, perfeitamente significada nos 4 dias de eventos
salvíficos entre a Quinta Feira Santa em que Instituiu a Eucaristia e o Domingo
Santo em que Ressuscitou dos mortos.
De fato, o
Filho de Deus, a partir da Ceia Eucarística, permaneceu guardado no Mistério do
mais perfeito abandono durante “4 dias” da semana segundo o tempo dos homens (últimos
momentos da quinta, sexta e sábado inteiros, e primeiros instantes do domingo; o que somam, na verdade, os 3 dias anunciados entre a
morte e ressurreição segundo a contagem judaica, que considera o dia encerrando
com o crepúsculo).
E para fazer
saltar aos nossos olhos o que significou, de fato, este permanecer guardado no
Mistério do perfeito abandono, recordemos:
- foi traído
por Judas, a quem chamou de amigo;
- foi negado
por Pedro, a quem escolheu como Primeiro entre aqueles que foram os Seus mais
próximos da terra: os Apóstolos;
- à exceção de
João, viu todos os demais Apóstolos abandonarem-nO no Calvário;
- padeceu na
solidão interior a agonia do horto enquanto seus discípulos mais íntimos
dormiam invés de lhe fazer companhia, compartilhando a vigília de oração para que
fosse cumprida a Vontade do Pai em prol de nossa Salvação;
- apresentado
no tribunal foi condenado pelos chefes do Seu povo num julgamento arbitrário,
injusto e forjado;
- sofreu a
solidão exterior preso no calabouço do Sumo Sacerdote uma noite inteira,
enquanto aguardava o cumprimento da sentença de Sua morte;
- humilhado,
escarnecido, flagelado e crucificado – embora sem culpa alguma - numa condição
de suplício que não se aplica ao mais hediondo dos criminosos;
- no vértice
mais absoluto do abandono humano, experimentou misticamente o abandono de Deus:
ELI ELI LAMÁ
SABACTÂNI;
- abandonou
Seu Divino Corpo no Túmulo para descer à mansão dos mortos, permanecendo no
inferno o período correspondente a um dia completo, a fim de dar vida aos que
estão nos túmulos;
É claro que
estas analogias e interpretações, como já fora dito anteriormente, não cumprem
os critérios metodológicos requeridos de uma exegese bíblica. Nem é o que se
pretende aqui. Todavia, o que merece relevo e destaque é o justo desejo de
ligar o que sempre se acreditou depois de Cristo com aquilo que sempre foi
tomado como seu prenúncio.
Neste sentido
há ainda duas coisas imprescindíveis que podem e devem ser tomadas a partir do texto
em questão.
Destaquemos o
versículo abaixo:
“Se a família for
pequena demais para um cordeiro, então o tomará em comum com seu vizinho mais
próximo, segundo o número das pessoas, calculando-se o que cada um pode comer.” (Ex 12,3)
Tomando a
peito o texto - e o contexto - deste versículo temos, sem dúvidas, a evidência
de que o cordeiro imolado, que prefigura a Eucaristia, é a imagem perfeita do
Ágape: uma Ceia propriamente fraterna.
Isso é
inquestionável, realmente.
Até mesmo a
fraternidade da partilha está presente neste texto e neste contexto.
Se a família
de sangue for pequena, deve-se partilhar o dom do alimento com a família maior,
a família de fé, a comunidade. No caso específico do texto, a família hebraica
prisioneira no Egito, prestes a passar da escravidão para a liberdade.
Entretanto, colher
do texto e do contexto esta evidência, não significa, absolutamente, que isto
implique no sentido primordial e pleno da mensagem.
Se, por um
lado, não se pode negar que na Eucaristia se encerra, TAMBÉM, a dimensão unívoca de ÁGAPE e CEIA, por outro, seria um erro imperdoável imaginar que o
significado primordial da EUCARISTIA se resuma a CEIA e ÁGAPE.
Por que
frisamos isto com tanta veemência?
Acaso é
possível imaginar uma “ação de graças” que não seja fraterna e respeitosa?
Claro que não.
Toda ceia só é
realizada apropriadamente se for fraterna.
E toda
fraternidade - em torno da refeição - só é honesta se contiver respeito.
É impensável
uma ceia sem fraternidade ou uma reunião em torno da mesa sem respeito.
Portanto, CEIA
e ÁGAPE são partes integrantes, sim, da Mesa Eucarística.
Mas, disto,
supor que o sentido principal da Eucaristia se reduz a esta necessária educação
afetiva e amigável em torno do Mistério da Fé é, simplesmente, uma barbaridade
absurda. É uma ignorância pavorosa. É exatamente tudo aquilo que a EUCARISTIA não é...
A Eucaristia é
AÇÃO DE GRAÇAS dada a Deus!
Não é, JAMAIS,
a ação de graças dada aos dons – em nome de Deus - em favor de causas
próprias...
E, ÁGAPE (amor fraterno) e CEIA (refeição com gratidão), podem ser
coisas boas, ainda que completamente independentes de estarem cumprindo a
Vontade de Deus.
Mas Deus pode,
inclusive, estar incluído num ÁGAPE e/ou
numa CEIA?
Sim, pode!
Isto significa
que sempre que houver uma reunião fraterna (ÁGAPE) e/ou uma refeição respeitosa
(CEIA) haverá EUCARISTIA?
Com absoluta
convicção: NÃO!
Entretanto, por
outro lado, é urgente afirmar: sempre
que houver uma autêntica EUCARISTIA, haverá - COMO CONSEQUÊNCIA E COMO
COMPLEMENTO - um ÁGAPE e uma CEIA verdadeiros... mas, nem sempre que houver um
ÁGAPE e/ou uma CEIA, acontecerá uma EUCARISTIA...
O que nos
permite afirma isto?
Entre muitas
coisas, o próprio texto...
Vejamos o
versículo 11:
“Eis a
maneira como o comereis: tereis cingidos os vossos rins, vossas sandálias nos
pés e vosso cajado na mão. Comê-lo-eis apressadamente: é a Páscoa do Senhor.” (Ex 12,
11)
Pergunta
básica: numa reunião - ainda que fraterna e respeitosa - há clima de festa
(como num jantar dançante) durante uma refeição em que todos estão vestidos
para viagem (ao invés de trajados para um baile), com mochilas nas costas (rins
cingidos = prontos para viagem) e cajado na mão (com apetrechos de estrada)?
Uma CEIA
festiva ou um ÁGAPE celebrativo requerem, essencialmente, ambiente e condições
apropriados para comemoração.
Como imaginar
alguém indo para um almoço comemorativo ou para um jantar dançante ou um
coquetel em que os convidados sejam intimados a comparecer com mochila nas
costas, cajado na mão, sandálias nos pés e rins cingidos, prontos para partir
de imediato?
Essa foi a
ordem de Deus para os que se reuniram para comer o cordeiro que foi imolado:
prontidão, vigilância e preparação para pronta partida, e não para comemoração.
Se não
acredita em minha afirmação, leia o que diz a Escritura Sagrada: “Comê-lo-eis
apressadamente: é a Páscoa do Senhor”...
Quem se reúne
para festejar em torno do alimento deste jeito, pronto para partir com rins
cingidos, com mochila nas costas e cajado nas mãos?
Que terrível
equívoco transformar a necessária educação para tomar qualquer alimento (do
almoço comemorativo ao lanche rápido), em qualquer circunstância (da celebração
festiva à refeição de trabalho), como sendo EUCARISTIA...
EUCARISTIA é, antes de tudo, AÇÃO DE GRAÇAS
dadas a Deus segundo os parâmetros do SACRIFÍCIO
DE LOUVOR DEVIDO AO ATO SALVÍFICO DE CRISTO: CORDEIRO IMOLADO EM FAVOR DE NOSSA
SALVAÇÃO!
CEIA, ÁGAPE e
EUCARISTIA, embora possam e devam se complementar, são coisas definitivamente
distintas...
Repitamos esta
realidade em forma de franca questão:
- a EUCARISTIA inclui como extensão a CEIA (cristã e respeitosa) e o ÁGAPE (cristão e fraterno)?
Sim, sem
qualquer sombra de dúvidas...
E as CEIAS (ainda que cristãs), e os ÁGAPES (mesmo que cristãos), incluem
automaticamente a EUCARISTIA?
Redondamente: NÃO!
Aqui estamos
diante de um fragoroso equívoco das hermenêuticas modernas.
Que tristeza
inominável equivaler realidades que, apesar de complementares, são
intrinsecamente distintas...
Esse é um drama – melhor – o drama do sentido litúrgico atual.
Mas, o pior
ainda está por vir...
“Tomarão
do seu sangue e pô-lo-ão sobre as duas ombreiras e sobre a verga da porta das
casas em que o comerem.” (Ex 12, 7)
Então quer
dizer que o principal objetivo da ordem de Deus não é a CEIA nem o ÁGAPE entre
os Hebreus cativos no Egito?
Quer dizer que
o ÁGAPE e a CEIA são necessidades meramente consequentes do real objetivo da
imolação do cordeiro, a saber: “Tomarão
do seu sangue e pô-lo-ão sobre as duas ombreiras e sobre a verga da porta das
casas em que o comerem.”
Então toda
questão de comer apressadamente e dividir fraternamente a carne do cordeiro, tem
por fim apenas o não desperdício e o não egoísmo na consumação do que fora
sacrificado para obter sangue necessário para untar ombreiras da porta das
casas?
Que
perspectiva controversa àquilo que as hermenêuticas apresentam atualmente,
não?!
“O sangue
sobre as casas em que habitais vos servirá de sinal (de proteção): vendo o
sangue, passarei adiante, e não sereis atingidos pelo flagelo destruidor,
quando eu ferir o Egito.” (Ex 12, 13)
Então, a razão
maior e principal para a imolação do cordeiro é a proteção causada pelo sangue
aplicado no portal das casas?
É o sacrifício
do cordeiro para cumprir estrito senso a Vontade de Deus?
Não é o ÁGAPE
nem a CEIA?
Que
constrangimento isto para as muitas perspectivas circulantes por aí, não?
Não bastasse
isto, ainda é o desejo de Deus que a comunidade celebre a memória deste fato,
pautado na salvação que Ele operou em meio ao povo por meio do sangue do cordeiro,
e não em razão da ‘partilha’ da carne do ovino “...sem defeito, macho, de um ano...”?
Que horror... isto
é fundamentalismo... reagirão, suponho, os hermeneutas bíblicos.
“Naquela
noite, passarei através do Egito, e ferirei os primogênitos no Egito, tanto os
dos homens como os dos animais, e exercerei minha justiça contra todos os
deuses do Egito. Eu sou o Senhor.” (Ex 12, 12)
Então Deus é
fundamentalista?
_ Não, de modo
algum... fundamentalistas são os ‘interpretes’ que não fazem hermenêutica do
texto bíblico, tomando-os ao “pé da letra”, dirão com certeza...
Ou na melhor
das hipóteses: fundamentalista é este discurso irônico e retórico...
Fundamentalista
ou não, irônico ou não, retórico ou não, pergunto: o que salvou os primogênitos
dos hebreus no Egito? Foi o ÁGAPE da CEIA fraterna e filantrópica entre as
famílias maiores que dividiram os comensais com as famílias menores dos hebreus
no Egito?
Respondam como
quiser...
E se quiserem
responder divergindo do que aqui sustento em perfeita comunhão com o que os
Santos Padres sempre defenderam, então, os profissionais da hermenêutica terão
que fazer um grande malabarismo elucubrativo...
E para
reafirmar a indefectível perspectiva da Verdadeira Fé, mais uma ‘dor de cabeça’
para os crentes da hermenêutica:
“Conservareis
a memória daquele dia, celebrando-o com uma festa em honra do Senhor: fareis
isso de geração em geração, pois é uma instituição perpétua.” (Ex 12,
14)
Esse é, em
medida perfeita, o sentido da Santa Missa no Ocidente e da Santa e Divina
Liturgia no Oriente. Ninguém está obrigado a aceitar e crer assim, contudo,
quem livremente adere à Fé Cristã, deveria se obrigar a crer nisto sem
protestar...
Claro, numa
coisa devemos concordar com os hermeneutas, que tendem a discordar desta
perspectiva de Fé que julgam, literalista: todo o texto considerado diz
respeito aos contextos próprios do Antigo Testamento...
Mas, cabe a
pergunta franca e direta, ainda que incômoda: em que o Novo Testamento divergiu
ou anulou o Antigo?
Portanto,
depois de refletir sobre estes aspectos das Escrituras Antigas que jamais
deixarão de significar as Escrituras Novas, chegamos às seguintes conclusões:
- nem toda
CEIA educada e respeitosa é EUCARISTIA;
- nem todo
ÁGAPE fraterno é EUCARISTIA;
- toda
EUCARISTIA inclui uma CEIA educada e respeitosa e um ÁGAPE fraterno, sem se
reduzir a ambos;
- a EUCARISTIA
é, sim, Sacrifício de Louvor, por uma memória oblativa, sacrifical e expiatória;
- este sempre
foi o sentido instituído por Cristo, organizado pelos Apóstolos, estruturado pelos
Santos Padres, defendido pelos Mártires e Santos e acreditado com simplicidade
evangélica pelos verdadeiros cristãos de todas as épocas;
- sentidos
adversos a este foram continuamente apresentados ao longo de todas as épocas,
sendo considerados devidamente como heresias. Entre todos os movimentos dessa
natureza, jamais um teve tanto êxito quanto a Reforma Protestante, e jamais um
influenciou tanto o catolicismo quanto o novus
ordo missae de Paulo VI (concluir isto não significa rejeitar a Missa
Nova);
- os
deslocamentos de sentidos podem, sim, oferecer riscos efetivos ao correto
entendimento das coisas e, portanto, conduzir ao desvio (heresia), à separação
(cisma) e mesmo à apostasia dos dogmas imutáveis da verdade, quer no
campo da Fé quer no campo da Razão;
- as
hermenêuticas em si mesmas não conduzem necessariamente ao erro, contudo, em
geral, servem ao propósito da contradição, relativizando a indefectibilidade da
verdade percebida pela razão natural ou da Verdade acolhida pela Revelação;
- a EUCARISTIA
jamais foi, não é, e nunca será uma
CEIA não expiatória ou um ÁGAPE de fraternidade afetiva;
- as mudanças
de época que influem no deslocamento dos sentidos, passam; a indefectibilidade
do Sacramento Instituído por Cristo, que não suporta a influência dos deslocamentos
temporais, permanece;
Enfim: CEIA? ÁGAPE? OU EUCARISTIA?...
A EUCARISTIA,
que inclui como consequência o sentido adequado de CEIA, não é puramente ÁGAPE.
A EUCARISTIA, que realiza por extensão de seu sentido o ÁGAPE, não se reduz a
uma CEIA.
A CEIA e o ÁGAPE, tomados como sentido principal da celebração cristã,
não incluem a EUCARISTIA.
Razão tinha São João Crisóstomo que, com objetividade e clareza, interpretava com justiça o sentido da Eucaristia, nossa Verdadeira Páscoa Semanal (como dizem os orientais), isto é, a passagem de Deus em nossas vidas, o qual, ao passar, encontrando nossos lábios tingidos com o Sangue do Cordeiro - como "as duas ombreiras e sobre a verga da porta das casas em que o comerem.” - livra-nos da morte eterna, pois:
“O sangue sobre as casas em que habitais vos servirá de sinal (de proteção): vendo o sangue, passarei adiante, e não sereis atingidos pelo flagelo destruidor...” (Ex 12, 13)
Pe. Frei Flávio Henrique, pmPN